AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

AS VELHAS PRAXES E OS SEUS VELHOS PROBLEMAS

Numa decisão pouco habitual, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a condenação decidida pelo Tribunal de Famalicão da Universidade Lusíada a indemnizar a família de um aluno que faleceu no âmbito de um episódio de praxe académica. A questão das praxes académicas será um dos temas a que mais vezes me refiro neste espaço. Embora não o considere particularmente estimulante, os discursos e comportamentos a que continuo a assistir e de que tenho conhecimento todos os anos, levam-me a retornar ao assunto.
Este ano, já não é inédito, como estão lembrados tivemos em Beja uma ocorrência também com contornos muito graves no contexto das praxes académicas. Sabemos todos que de há alguns anos para cá estas situações são comuns bem como são comuns comportamentos de outra natureza mas, do meu ponto vista, igualmente violentos.
Recordo que há meses, as estruturas que regulam as praxes de nove universidades e institutos acordaram na elaboração de um documento comum que estabeleça um conjunto de princípios que permita regular os comportamentos de praxe e tentar pôr fim aos abusos que regularmente têm vindo a acontecer, alguns com consequências particularmente graves que, aliás, já motivaram a tomada de posições proibitivas por parte de algumas reitorias e direcções de escola. Esta iniciativa revela por parte dos próprios estudantes a aceitação de situações que devem ser evitadas, daí o esforço de regulação pois os códigos já existentes não parecem ser suficientes para assegurar o equilíbrio desejável.
Como várias vezes já aqui afirmei partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos comportamento nas praxes parece-me absolutamente indispensável. Parece-me ainda importante que este movimento de regulação integre o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas. Estamos a falar de gente crescida e, espera-se, autodeterminada, seja numa posição favorável ou desfavorável.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem genuínas intenções de convivialidade, tradição e vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro. Tenho assistido a cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores. Nesta perspectiva, parece-me um passo positivo a anunciada iniciativa de regulação que envolverá diferentes academias.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto.
A minha experiência universitária, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Provavelmente, advém daí a minha reserva.

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