AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

PARTAM, O VOSSO FUTURO NÃO MORA AQUI


Ao que se lê no Público, um enfermeiro que se sentiu obrigado a emigrar por ausência de futuro em Portugal, escreveu a Cavaco Silva uma carta de despedida. Sabemos todos que sempre fomos um país de emigrantes pelo que a situação não é estranha e deve, apesar de tudo, ser encarada com alguma serenidade.
O que é inquietante, é que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muitos dos jovens não têm condições de vida, têm nada e partem à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa.
Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualificado e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Há uns tempos foi divulgado um trabalho realizado pela Federação Académica do Porto junto de estudantes do ensino superior de diferentes instituições em que se concluiu que 69 % dos inquiridos admite emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional. Apesar da cautela sobre as conclusões que o trabalho merece, o número é elevado e demonstrativo das baixas expectativas sobre o seu futuro próximo que muitos estudantes revelam o que me parece preocupante. Em todo o caso, cerca de 85 % dos inquiridos que admitem sair, afirma querer voltar a Portugal.
Lembramo-nos ainda da intervenção do Ministro Miguel Relvas, que certamente não teria tempo para responder a um inquérito deste tipo durante a sua licenciatura, aliás, também não pensaria em partir, porque o seu futuro estava garantido dentro de portas por efeitos do alpinismo partidário. Disse então Miguel Relvas dirigindo-se aos jovens mais qualificados, "ide procurar fora de portas o vosso futuro”.
Parece-me relativamente claro que a questão central nesta matéria não é o movimento que desde há muito os portugueses realizam de procurar trabalho fora do país. Como é óbvio as pessoas, cada pessoa, procurará dentro das suas disponibilidades, capacidades e motivações construir um projecto de vida em que se realize e esse projecto de vida pode, evidentemente, passar por emigrar. Sabemos e isso é desejável em diferentes perspectivas, que estes fluxos se realizem, mas esta não é a questão central.
O que me parece fortemente significativo é o que representa de descrença de tanta gente, de que seja possível desenvolver um projecto de vida viável e com potencial de realização pessoal e profissional no nosso país.
Nesto contexto, como tenho referido, as declarações dos responsáveis políticos assumem particular importância. Não podem assumir que a solução para os problemas das pessoas, por exemplo o desemprego, é abandonar o país, particularmente um país, Portugal, com sérias necessidades de mão-de-obra qualificada, um dos mais baixos níveis de qualificação da Europa e um dos grandes obstáculos ao nosso desenvolvimento, não pode acenar com a “sugestão” de emigração exactamente para a franja mais qualificada da nossa população. Trata-se uma visão absolutamente inaceitável.
Estes discursos vindos de quem lidera e de quem a comunidade espera, é a sua função, um contributo decisivo para atenuar ou, em tese, resolver os problemas do país, transmite incompetência, impotência e finalmente desistência face a esses problemas que se repercutem na forma como os mais novos encaram o futuro. Provavelmente, os dados do inquérito também se inscrevem nesta repercussão, o pessimismo e a falta de confiança.
Admito que face à intenção expressa por tantos estudantes surjam, como sempre, as vozes que referem o realismo destes discursos, das efectivas poucas oportunidades de trabalho para muitos jovens qualificados, mas, insisto no que disse há tempos, “mandar” essa gente embora de um país como o nosso é delinquência política. Lamentavelmente, não estranho.

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