No Público de hoje, a propósito de uma lembrança
despudorada de Paulo Portas, retoma-se um episódio obsceno acontecido em final
de 2004. Talvez alguns recordem, funcionários da sede nacional do CDS-PP
levaram em quatro dias para o mesmo balcão bancário um total de 1.060.250
euros, para depositar na conta do partido. Foram realizados 105 depósitos,
todos em notas, de montantes sempre inferiores a 12.500 euros, quantia a partir
da qual era obrigatória a comunicação às autoridades de combate à corrupção. A
mesma rapaziada, funcionários do partido, emitiram um total de 4216 recibos
apena com a indicação do montante e do nome do doador. A PJ, conforme noticiado
na altura, suspeitou de dados fictícios pois, por exemplo, encontrava-se a
edificante referência a um doador de 300 € com o nome de "Jacinto Leite
Capelo Rego". Esta obscenidade foi arquivada pois a PJ não conseguiu
chegar à origem do dinheiro. Paulo Portas recordou o episódio para mostrar a
pureza do partido, em mais uma
manifestação de despudor.
Há poucos dias o Tribunal de Compras divulgou
dados suspeitos na aquisição de 12 helicópteros EH 101 e está na agenda o desaparecimento
de papéis sobre o negócio dos submarinos.
Peço desculpa pela insistência mas acho uma
obrigação ética, relembro um Relatório recente produzido no âmbito da
organização Transparency International, envolvendo 24 países europeus e em
Portugal sob a responsabilidade da Associação Transparência e Integridade,
Centro Inteli-Inteligência e Inovação e pelo Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa, em que se refere que o combate à corrupção em Portugal
apresenta “resultados mais baixos do que seria de esperar num país
desenvolvido”, concluindo, entre muitos outros aspectos, que a “troca de
favores” e a “cunha estão institucionalizadas “entre colegas do mesmo governo”.
Em publicação anterior, também da Transparency International, Portugal
é identificado como um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da
Convenção anti-corrupção da OCDE.
No entanto, de tempos a tempos entra nos
discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a
corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e emergem
tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente
desaparecem até ao próximo fingimento. Veja-se a ligeireza com que Paulo Portas
recorda um vergonhoso episódio como exemplo de virtude. É notável.
Na verdade, tenho a profunda convicção que nenhum
dos partidos do chamado “arco do poder”, está verdadeiramente interessado na
alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas
desenvolvidas, por todos, quando foram ocupando o poder. A questão, do meu
ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que NÃO
QUERER mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, NÃO
PODEM e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à
emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma
mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada o que determina um jogo
de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase
que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração
pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à
intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem
interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas
exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta
matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido
está evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente
preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco
eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos
partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de
facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão
interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem,
obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe
política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado,
e alimentam do sistema.
Parece, assim, um problema complicado. De quem
faz parte do problema, não podemos esperar a solução.
Depois de ler os seus artigos (o Senhor diz quase tudo) pouco espaço sobra para acrescentar,reforçando, as suas verdades de LA PALICE.
ResponderEliminarOutrora as avionetas despenhavam-se, agora desaparecem documentos. ANTES ASSIM...
Por isso perdoe-me a ausência de cerimónia no parágrafo que se segue.
Caro Professor, RELAXA, TUDO ENCAIXA.
saudações