AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

DE QUEM FAZ PARTE DO PROBLEMA, NÃO PODEMOS ESPERAR A SOLUÇÃO

No Público de hoje, a propósito de uma lembrança despudorada de Paulo Portas, retoma-se um episódio obsceno acontecido em final de 2004. Talvez alguns recordem, funcionários da sede nacional do CDS-PP levaram em quatro dias para o mesmo balcão bancário um total de 1.060.250 euros, para depositar na conta do partido. Foram realizados 105 depósitos, todos em notas, de montantes sempre inferiores a 12.500 euros, quantia a partir da qual era obrigatória a comunicação às autoridades de combate à corrupção. A mesma rapaziada, funcionários do partido, emitiram um total de 4216 recibos apena com a indicação do montante e do nome do doador. A PJ, conforme noticiado na altura, suspeitou de dados fictícios pois, por exemplo, encontrava-se a edificante referência a um doador de 300 € com o nome de "Jacinto Leite Capelo Rego". Esta obscenidade foi arquivada pois a PJ não conseguiu chegar à origem do dinheiro. Paulo Portas recordou o episódio para mostrar a pureza do  partido, em mais uma manifestação de despudor.
Há poucos dias o Tribunal de Compras divulgou dados suspeitos na aquisição de 12 helicópteros EH 101 e está na agenda o desaparecimento de papéis sobre o negócio dos submarinos.
Peço desculpa pela insistência mas acho uma obrigação ética, relembro um Relatório recente produzido no âmbito da organização Transparency International, envolvendo 24 países europeus e em Portugal sob a responsabilidade da Associação Transparência e Integridade, Centro Inteli-Inteligência e Inovação e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em que se refere que o combate à corrupção em Portugal apresenta “resultados mais baixos do que seria de esperar num país desenvolvido”, concluindo, entre muitos outros aspectos, que a “troca de favores” e a “cunha estão institucionalizadas “entre colegas do mesmo governo”. Em publicação anterior, também da Transparency International, Portugal é identificado como um dos 21 países em que existe "pouca ou nenhuma implementação" da Convenção anti-corrupção da OCDE.
No entanto, de tempos a tempos entra nos discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e emergem tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao próximo fingimento. Veja-se a ligeireza com que Paulo Portas recorda um vergonhoso episódio como exemplo de virtude. É notável.
Na verdade, tenho a profunda convicção que nenhum dos partidos do chamado “arco do poder”, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas, por todos, quando foram ocupando o poder. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que NÃO QUERER mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, NÃO PODEM e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada o que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido está evidentemente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão, exige a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
Parece, assim, um problema complicado. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução.

1 comentário:

  1. Depois de ler os seus artigos (o Senhor diz quase tudo) pouco espaço sobra para acrescentar,reforçando, as suas verdades de LA PALICE.

    Outrora as avionetas despenhavam-se, agora desaparecem documentos. ANTES ASSIM...

    Por isso perdoe-me a ausência de cerimónia no parágrafo que se segue.

    Caro Professor, RELAXA, TUDO ENCAIXA.


    saudações

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