Nos últimos dias a liderança política desdobrou-se
em discursos sobre o bom andamento do país, comprovado pela avaliação positiva
da troika. O Primeiro-ministro informou que se vislumbram sinais de mudança e
que "os portugueses já não estão à beira do abismo". Ao que parece,
este optimismo não é partilhado pelas gentes pois, sondagem do JN, a maioria
dos inquiridos mostra-se pessimista para os próximos tempos, independentemente
de quem possa ser governo. Aliás, os diferentes indicadores disponíveis sobre a
qualidade de vida da generalidade dos portugueses estão longe de ser
compatíveis com a "avaliação muito positiva" da realidade do país,
embora eu saiba que se trata de uma questão de perspectiva, a agenda da troika
e de boa parte das políticas em curso visam os mercados e não as pessoas.
As declarações sobre os "bons
resultados" são no mínimo estranhas quando as previsões do próprio Governo
para o maior flagelo das dificuldades, o desemprego, ainda são de aumento para
o próximo ano.
É evidente que se espera das lideranças um
discurso mobilizador e que promova confiança, mas esse discurso tem que se
manter dentro dos níveis de realismo que lhe dá consistência e credibilidade.
Em diferentes ocasiões tenho referido no Atenta
Inquietude a importância do que tenho designado exactamente por uma dimensão
psicológica da crise, a confiança, ou, mais claramente, a falta de confiança.
Esta importância verifica-se em termos individuais, quando nos sentimos
confiantes, sentimo-nos mais capazes, verifica-se em termos de grupo, a título
de exemplo, uma equipa de futebol confiante será seguramente mais eficaz,
verifica-se de forma genérica em qualquer instituição e, finalmente, poderemos
também dizer que sociedades mais confiantes sentir-se-ão mais capazes de
enfrentar dificuldades.
Assim sendo, parece importante que as lideranças,
entre todas as suas competências e acções, sejam capazes e competentes no
sentido de transmitir confiança. Acontece que as nossas lideranças, em matéria
tão importante, subordinam, como sempre, as suas acções aos interesses
imediatos, sobretudo partidários, ou seja, basicamente, quem governa faz
discursos excessivamente optimistas, que muitas vezes parecem negar a
realidade, pintando-a de rosa e quem está na oposição produz discursos e visões
catastrofistas. Como é óbvio, os cidadãos têm cabeça, qualquer dos discursos
são um péssimo contributo à confiança realista e informada que precisamos de
sentir face a dificuldades e a desafios complexos.
Nos últimos tempos, em que se têm acentuado as
consequências dramáticas da crise a nível do emprego e da diminuição dos apoios
sociais por exemplo, seria ainda mais necessário um discurso que contribuísse
para identificar um rumo e promovesse e envolvesse os cidadãos na convicção e
confiança de que seremos certamente capazes de ultrapassar, ainda que com
momentos dolorosos, os tempos que vivemos.
O problema é que muita desta gente e dos seus
discursos e comportamentos são parte do problema, dificilmente serão parte da
solução como temos vindo a constatar.
Depois de vários anos de desemprego, dezenas de
entrevistas e currículos enviados, uma idade "proibida" no mercado de
trabalho, a dignidade de rastos, uma família afectada, parece difícil manter o
optimismo e a confiança e entender como a situação do país merece uma
"avaliação positiva" de uns burocratas sem alma nem ética.
"Como é óbvio, os cidadãos têm cabeça", só se for para pentear cabelos. Vamos a ver o resultado das próximas eleições.
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