ATÉ CALADO DESAFINA

Há uns dias, por altura da Páscoa, aproveitei uma folga da lida para mais uma deambulação pelo Meu Alentejo.

O acaso e a fome fizeram-me descobrir a Casa de Pasto da Tia Odete, exactamente assim chamada, à entrada do Cercal. Com aspecto de tasca antiga de aldeia, a paragem ficou gravada e recomendo-a. A Tia Odete tinha para servir uma sopa de couves da sua horta e feijão, feita com carnes de porco, melhor dizendo, com os ossos, que não era uma sopa, era A sopa. Para prato, uma galinha criada no quintal nas traseiras da casa de pasto, servida frita, com uma salada de alface, claro, da horta da Tia Odete, e umas batatas fritas em azeite com um pouco de banha com um sabor em que há muito não punha o dente. Sim, eu sei que o peso e o colesterol e as gorduras e os fritos e ... mas c'os diabos, estava um petisco.

A Tia Odete, mulher amiga de conversar e das lérias, estamos no Alentejo, ia do pé de nós até ao balcão para servir alguém e voltava para irmos trocando receitas e modos alentejanos de fazer comer.

Às tantas, junta-se à conversa um cliente habitual da casa que ia dando uns palpites que a Tia Odete rebatia, o homem não sabia nada das artes de fazer comer.

A certa altura, já exasperada, disse-nos, como que a pedir desculpa da ignorância do cliente sobre a culinária alentejana, "este é daqueles que até calado desafina, quando abre a boca então é uma desgraça".

Depois de um passeio apeado para ajudar na digestão da sopa e da galinha, vínhamos no carro a pensar se a Tia Odete estaria mesmo a referir-se só ao seu vizinho.

Existe tanta gente assim, "até calados desafinam" e o pior é que não se calam.