AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

OS PILHA GALINHAS

Quando nos começávamos a habituar ao roubo a sério, aos muitos milhões, protagonizado por gente "séria", administradores, políticos ou gestores, por exemplo, está em recuperação um país de pilha galinhas, o do pequeno roubo. Provavelmente mais um efeito colateral da crise.
No Público encontra-se o extraordinário episódio de um empreendedor que, lembrando-se certamente das palavras de Belmiro de Azevedo sobre a legitimidade moral do roubo quando se tem fome, dirigiu-se ao Pingo Doce, aqui parece-me claramente uma atitude de protesto cívico e politico, e rouba um champô e uma embalagem de polvo no astronómico montante de 25.66€. O eficiente segurança caçou-o, recuperou a mercadoria roubada e agora o empreendedor chega a tribunal. Está certo, roubar é feio e não depende do montante.
Estando nós mais habituados a uma actividade nesta área realizada na escala dos milhões, muitos, que voam da banca, de empresas em falências fraudulentas, em comissões mal explicadas, em inconsequentes derrapagens financeiras nas obras públicas sendo ainda que tudo isto se passa na maior das impunidades é, devo confessar, sempre com alguma perplexidade que vejo a captura e julgamento destes bandidos saqueadores e perigosos enquanto os seus colegas de actividade, mas de outra dimensão, de outra escala, se passeiam por aí dedicando-se à sua lucrativa arte. Esta situação é semelhante há que ocorreu há algum tempo, envolvendo um sem-abrigo que roubou seis chocolates de um supermercado da cadeia Lidl, é a concorrência, e que também chegou a julgamento.
É importante que estes casos cheguem a julgamento e sejam severamente condenados para, por um lado, alimentar a ideia de que a justiça funciona e, por outro lado, devolver-nos um sentimento de confiança nessa justiça e de que percepção de impunidade instalada é, evidentemente, falsa.
Com este regresso dos pilhas galinhas damos mais um passo na desejada democratização da nossa economia, roubam todos, é apenas uma questão de escala.
Numa nota final confesso que sinto uma adolescente e romântica simpatia pelos pilha-galinhas.

1 comentário:

  1. Gostei muito do seu texto. É coisas destas que devem ser largamente divulgadas para que a indignação povo seja exponencial.

    A justiça deste País perdeu a vergonha por completo.
    É REVOLTANTE!

    Recordo-me perfeitamente que nos anos 50/60 os pobres e esfomeados em desespero de sobrevivência satisfaziam suas necessidades nutritivas consumindo com parcimónia refeições em restaurantes. Para beneficiarem da complacência da justiça, apenas lhes era vedado o consumo de álcool.

    No final chamavam o empregado e diziam:- Chame a polícia que eu não tenho dinheiro para pagar. Apenas tenho minha fome saciada!
    Estávamos em pleno Salazarismo e o máximo que acontecia ao prevaricado, depois de averiguado da pobreza do mesmo, era uma noite dormida no estrado de uma cela na esquadra da polícia.

    Agora prende-se, julga-se e condena-se os pilha-galinhas e inocenta-se os ladrões de milhões.

    Sinais dos tempos...

    Não só simpatizo com os pilha-galinhas como também qualquer Zé do telhado que surja.


    saudações

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