Ao que se lê no Público, um Protocolo hoje entre o Governo e representantes das Instituições de Solidariedade Social vai permitir aos pais a escolha da colocação dos filhos em Actividades de Enriquecimento Curricular ou em ATLs. Para além do óbvio impacto na pressão económica sobre autarquias e MEC, retomo algumas notas sobre esta questão, a vida dos miúdos no tempo não curricular.
A iniciativa "ESCOLA A TEMPO INTEIRO" sendo dirigida a um problema presente na generalidade das comunidades educativas, a ocupação e supervisão das crianças fora dos tempos lectivos/escolares, tem, na sua implantação e desenvolvimento, evidenciado mais um dos muitos equívocos presentes nas políticas educativas.
Em primeiro lugar, verificou-se o subaproveitamento do muito que nesta matéria era já realizado, por exemplo, através de ATL(s) a funcionar no âmbito de parcerias com as Associações de Pais e de muitas instituições sociais e que agora parece retomar-se.
O equívoco a que me refiro traduz-se na confusão entre "EDUCAÇÃO A TEMPO INTEIRO", uma necessidade óbvia, com "ESCOLA A TEMPO INTEIRO", uma "overdose" arriscada. Na prática em muitas situações que conheço verifica-se:
- A dificuldade óbvia e esperada de encontrar recursos humanos com experiência e formação em trabalho não curricular com crianças dos 6 aos 10. Este obstáculo acaba por resultar na réplica para as crianças de aulas e actividades pensadas para pré-adolescentes e adolescentes. O benefício imediato é quase nulo e a consequência a prazo poderá ser a desmotivação, no mínimo.
- O modelo de organização do trabalho, sendo desenvolvido por professores ou outros elementos desconhecedores do modelo de funcionamento do 1º ciclo, mostra-se, com frequência, completamente desajustado. Como exemplo real, refiro o horário de um grupo de 1º ano (crianças com 6 anos): trabalham com a professora da turma das 9h às 12 e das 13 e 15 às 15 e 15, e todos os dias têm a seguir dois ou três tempos de 45 minutos até às 17 e 30 ou 18.
Verificamos assim que as crianças estão envolvidas em tarefas de natureza escolar durante um tempo que nestas idades se torna completamente excessivo e contraproducente. Quero sublinhar que o que me parece errado não é o tempo em que as crianças se envolvem em trabalho e que estão na escola, mas sim a natureza desse trabalho, "disciplinarizado", ou seja, organizado por tempos, de forma rígida e ocupado com conteúdos e tarefas não compatíveis com crianças deste escalão etário.
Este quadro ilustra, creio, o equívoco a que me referi. Em vez de tentarmos estruturar um espaço que seja educativo a tempo inteiro, preenchido na escola e com qualidade, assistimos à definição de uma pesada agenda de actividades que está a motivar situações de relação com a escola turbulenta e reactiva. Alguns pais têm optado por retirar (quando e se podem) os seus filhos deste tipo de actividades.
A possibilidade agora retomada de poderem optar por ATLs parece-me de sublinhar, importando, evidentemente, não esquecer dispositivos de regulação da qualidade do trabalho realizado.
Caro Zé Morgado,
ResponderEliminarHá algum tempo que me venho preocupando com o sistema de ensino de carácter cada vez mais intelectualizante e abstracto. Fui professora do ensino superior nos ultimos oito anos. Ao longo deste tempo verifiquei que recebia alunos cada vez mais desmotivados, sem autonomia e acríticos. O tempo foi o suficiente para perceber que na situação estavam "implicadas as reformas" do sistema educativo, mas também a passividade da sociedade em geral.
Surpreendeu-me quando uma associação de pais de âmbito nacional promoveu o prolongamento do tempo de escola, quando deveria promover a defesa do tempo com a familia. Surpreende-me quando assisto às greves dos professores nas defesas dos seus direitos, quando não vejo a mesma movimentação de massas pela promoção de uma nova pedagogia; Enfim..
Defendo um ensino que promova a aprendizagem pela experiência, e não pelo powerpoint; Um ensino mais artístico e mais humano; Um ensino em que as familias sejam mais interventivas.
A possibilidade dos ATL's também me parece uma vantagem face às AECs.
Tenho andado a investigar sobre a forma como o ensino excessivamente intelectualizante e prematuro poderá estar na origem de problemas não só a nível psicológico, mas a nível fisiológico dos indivíduos. Aparentemente os problemas poderão só ter reflexos a partir da adolescência, e a partir dos trinta anos. A provar-se a ligação, um ensino mais "artístico" poderá poupar ao estado muitos milhões de euros nas próximas decadas.
Bem haja pelo seu post.