Ficámos hoje a saber que o Governo negociou com a troika a necessidade de mais tempo para a introdução de reformas no âmbito da justiça. Não vou discutir questões de natureza técnica, para as quais não estou preparado mas acho curioso que a tentativa de adiar alguma matéria no negócio imposto pela troika tenha sido justamente a justiça, sendo ainda que em várias outras matérias o governo tem sido, como se costuma dizer, mais troikista que a troika.
Recordo que há poucos dias a Ministra da Justiça afirmou que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Em 2009, a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira instância. Não se estranha, são recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra referiu, etc.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de 2011, creio, da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa com alguns dados interessantes e a não esquecer e de que recordo dois indicadores. A seguir à Itália somos o país com a justiça mais lenta entre os 45 países considerados. Um processo demora em média cerca de 430 dias a ser resolvido. Um outro dado significativo e muito curioso é que somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294,9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
Finalmente, a maior preocupação decorre da percepção de que ninguém parece verdadeiramente interessado em alterar este quadro apesar da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
A reforma do sistema de justiça é uma das componentes do programa estabelecido pela "troika". Pode ser que por imposição estrangeira, aí costumamos ser bons alunos, alguma mudança significativa possa ocorrer.
Para já, adiamos as reformas. Estamos no bom caminho.
A respeito de justiça em Portugal aqui fica um excelente exemplo da mesma em Portugal: a propósito de uma pretensa herança (porque nada foi provado e o processo ainda decorre e m tribunal) de 1/12 dos bens deixados por um familiar, aproveitando-se da minha ausência no estrangeiro, vi a minha residência (que é um desses bens em causa), invadida na 6a feira passada, tendo os meus bens começado a ser pilhados, os meus documentos, a minha intimidade devassada.
ResponderEliminarO meu irmão mal soube quis apresentar queixa na polícia pelo roubo em curso, e que a mesma expulsasse e apreendesse os meliantes da minha residência. Só que o ministério público recusou-se e proibiu a polícia de intervir já que "tratava-se de um potêncial herdeiro da casa" e como tal não podiam fazer nada. Teria de pedir uma ordem do tribunal e isso demora pelo menos uma semana.
Já tive de mandar congelar as contas do banco dado que tinha, como é normal, em casa todos os dados relativos às mesmas, e os meus vizinhos informaram-me que mudaram as fechaduras todas da casa. Portanto, quando regressar a Portugal, e porque também já fui informado que não posso arrombar as portas senão eu é que vou preso, vou dormir na rua uma vez que apesar de ter uma casa, de ela ser legalmente inteiramente minha, de pagar todos os anos o IMI, não vou poder lá entrar.
Entretanto, a água, luz e gás gastos esta semana, bem como quaisquer danos na casa, esses sim vou ter de os pagar. Basicamente estou a pagar para me roubarem.
Não é fantástica a justiça Portuguesa? E eu que pensava que o domicílio e o direito à vida privada, os bens duma pessoa eram invioláveis?
Adiada as reformas da justiça?
ResponderEliminarAonde é que está a admiração?!
Só um crédulo irredutível esperaria celeridade no processo.
As forças antagónicas são muito poderosas, germinam no seio do poder e interessa-lhes a barbárie da impunidade. Basta atentarmos na ligeireza e sobranceria com que os corruptos evitam a culpabilidade e na morosidade dos mega-processos que vai até à prescrição ou esquecimento.
É UM FARTAR DE VILANAGEM!!!...
saudações
Senhor Luis
ResponderEliminarO que conta é "KAFKANIANO". Leia "O Processo" e encontra semelhanças.
Está a ver como é a justiça em Portugal?
É bem evidente (pela resposta que o Ministério Público lhe deu) que o senhor não é nenhum tubarão da sociedade mas sim um cidadão comum. Se tivesse muita goma no colarinho os usurpadores no mínimo teriam que devolver a casa de imediato ao seu residente, depois se resolveria o litígio.
Os meus sinceros votos para que resolva o seu problema de uma forma legal e a seu contento.
saudações
Num país normal tirariam os meliantes da minha casa, até porque é óbvio que eles não vivem lá, e depois apuraria-se quem tem razão. O problema ficava resolvido facilmente, a minha privacidade não seria violada, e a integridade dos meus bens seria mantida.
ResponderEliminarEm Portugal porém funciona assim: eles "não podem" fazer nada. Eu depois mais tarde tenho de apresentar queixa na policia pelo furto, que depois segue para o ministério público que manda a policia judiciária investigar. Daí volta para o ministério público que depois decidi instaurar um processo criminal e então sim pede então para prender as pessoas sendo que daí irão então, com sorte, a julgamento.
A quantidade de meios mobilizados para isto é absolutamente assustadora se tivermos em conta que tudo podia ter sido evitado tivesse havido um pouco de bom senso e agido logo. Nisto quem se lixa sou eu que provavelmente nunca mais voltarei a ver os meus bens, nem serei ressarcido deles, afinal os ladrões se tivessem dinheiro para me indemnizar não me estariam a roubar, não é verdade?
Isto chegou-se a um ponto de tal absurdo que não falta muito para que aconteça o caso de alguém telefonar à polícia a dizer que estão a matar alguém e responderem-lhe: "já matou? não? então quando matar telefone-nos novamente que nós agimos".
Sem comentários e com um desejo, que termine o melhor e mais rapidamente possível
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