AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 2 de janeiro de 2011

A SERENIDADE IMPOSSÍVEL

Há umas semanas o Presidente da República afirmou que a educação deveria ser um desígnio nacional assumido por todos. Disse ainda que a educação é uma pedra fundamental do nosso desenvolvimento, que a qualificação é imprescindível, que devemos mobilizar todos os meios ao nosso alcance, que é necessário proteger as crianças dos efeitos da crise, etc. etc., ou seja, a retórica do costume. Não foi certamente a primeira vez que um responsável político fez uma afirmação desta natureza, é, aliás, um discurso recorrente e repetido com insistência.
Pouco tempo depois foi a vez dos dirigentes sindicais da FENPROF e da FNE fazerem um apelo a "um consenso nacional sobre educação" com base num amplo debate sobre os estado da educação e no sentido de evitar as derivas políticas que caracterizam o sistema.
Hoje o Público interroga-se e interroga alguns actores sobre o clima que se pode esperar no universo da educação face às alterações e constrangimentos entretanto introduzidos. Por diversas vezes me tenho referido aos impactos que más decisões em matéria de política educativa podem implicar. O último exemplo foi o do corte administrativo e cego de 5.5% no orçamento de escolas e agrupamentos determinado pelo governo, mas outras decisões irão certamente ter impactos negativos.
No entanto, para além das medidas de má qualidade e dos seus efeitos, creio que a educação em Portugal estará condenada à intranquilidade. Não me refiro à intranquilidade própria e natural na acção educativa. Refiro-me ao clima geral em volta da educação. A cultura e praxis política tornam a serenidade impossível e todos os envolvidos sabem-no claramente pelo que os seus discursos se inscrevem no próprio funcionamento do sistema.
A partidocracia instalada leva a que, na generalidade das matérias, os interesses partidários se sobreponham aos interesses gerais, a conflitualidade que sendo importante e muitas vezes estimulante e promotora de mudança, é assente em corporações de interesses e clientelas que inibem a definição de rumos e de perspectivas que visem o interesse geral.
No universo mais particular da educação, devido ao peso e impacto social do sector, é ainda mais óbvio a presença de interesses antagónicos que decorrem bem mais dos interesses da partidocracia do que a verdadeira preocupação com a qualidade dos processos educativos. Se atentarmos nos discursos habituais dos que se movem neste universo com alguma responsabilidade fica óbvia esta realidade.
Gostava de poder ter um discurso mais optimista, mas muito provavelmente continuaremos a assistir à continuidade da deriva e do digladiar de interesses partidários, promovendo política pequena onde era imprescindível política grande.
Os momentos de aparente serenidade decorrem mais de decisões estratégicas dos gestores de interesses ou da desesperança e da resignação de boa parte das pessoas, professores e pais, do que de um entendimento intencional de que a serenidade é urgente e imprescindível.

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