AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A HISTÓRIA DO CARTEIRO

Hoje, depois da consulta de rotina à caixa do correio lembrei-me do carteiro e do facto de se falar na privatização deste serviço. Neste contexto, recordei que há uns meses, um estudo realizado em Portugal sobre os níveis de confiança dos portugueses em diferentes classes profissionais mostrava que bombeiros, professores e carteiros são os profissionais em quem os portugueses mais parecem confiar. Na altura da divulgação achei interessante a confiança expressa por nós em quem cuida do nosso bem estar e ajuda em caso de necessidade, os bombeiros, em quem nos constrói o futuro, os professores, cuidando do nosso mais precioso bem, os filhos, e em quem nos traz as notícias do mundo, os carteiros, provavelmente, com a secreta esperança de que sejam sempre boas notícias.
As cartas e postais de natureza pessoal, lamentavelmente em vias de extinção, são bastante mais inteligentes que os e-mails, não estão sujeitas a infecções virais, a "forwards" tontos e impessoais e à complementar praga de "junke" e-mail. São os carteiros que as trazem e que, em muitos locais, mais do que imaginamos quando vivemos em zonas urbanas, conhecem os destinatários e prestam um serviço que é bem mais do que a entrega de correspondência.
Ainda me lembrei com alguma saudade do Sr. Gonçalves, o carteiro da minha zona quando eu era adolescente. O Sr. Gonçalves que já partiu há alguns anos, era um homem de grandes bigodes, forte, tinha que o ser para transportar aquele enorme saco de cabedal castanho, de grandes bigodes e amigo da gente nova. Era uma figura. Vou partilhar um segredo convosco, mas peço que mantenham a devida reserva. Durante algum tempo, o Sr. Gonçalves e eu tivemos um acordo. Ele mostrava-me os postais que vinham do liceu dirigidos ao meu pai com as notas e as faltas e eu quando o encontrava à tarde de vez em quando pagava uma cerveja na tasca do meu tio. Já vos tenho dito que não fui um aluno brilhante, longe disso, e no que respeita ao comportamento, é melhor nem falar. A cumplicidade com o Sr. Gonçalves no sentido de, por amor filial que compreenderão, proteger o meu pai de notícias menos agradáveis, era conseguida, eu acho, porque ele, no fundo, acreditaria que talvez eu não fosse um caso perdido. E não era, ele entendia de miúdos.
E eu gostava do carteiro, do Sr. Gonçalves.

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