AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

AS VOZES QUE O TIAGO OUVE

Um dia destes estava o Professor Velho, aquele que está na biblioteca e fala com os livros, a visitar Camus que morreu fez agora 50 anos, quando entrou o Tiago, o do 8º ano, que se lhe dirigiu meio embaraçado dentro do jeito que lhe é próprio.
Professor Velho preciso que me ajudes a encontrar um livro.
Olá Tiago e sobre que assunto é que te interessa o livro, é para algum trabalho?
Não Velho não sei explicar bem mas era um livro que falasse de miúdos da minha idade, das coisas da nossa vida.
Queres dizer-me mais alguma coisa para ver se te posso ajudar?
Velho, só oiço vozes a gritar comigo, quase ninguém fala, toda a gente grita. Gritam os meu pais por tudo e mais alguma coisa, gritam os professores que dizem que já não têm paciência, os meus amigos também só gritam. Quando quero falar, sem gritar, não ligam, só gritam, estou cansado destas vozes.
E não consegues falar mesmo com ninguém?
Quer dizer, falo com o meu avô quando a gente vai lá ou ele vem cá, falo com a Andreia que também não gosta das vozes que só gritam e, às vezes, com a Setora Joana aos intervalos quando a encontro. É a única que fala com a gente sem gritar.
Isso é bom Tiago, eu acho que podias ler livros sobre coisas que gostes, procurares encontrar-te com a Andreia e se estiverem com atenção vão ver que há mais gente que gosta de falar. Podes tentar falar mais vezes com professora Joana, ela vai gostar e, claro, podes aparecer quando quiseres aqui na biblioteca.
Pois é Velho, tu também não gritas.

Nota - A memória é uma teia de muitos fios. Não sei se o texto me fez lembrar o meu amigo de juventude, o A. ou se o meu amigo A. me soprou o texto. A última vez que falei com ele disse-me que já não suportava mais as vozes, sempre a gritarem-lhe. Decidiu acabar a viagem dois ou três dias depois.

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