Merece leitura e reflexão o texto de João Massano no Expresso, “Duas cadeiras vazias”. O autor reflecte sobre a tragédia do suicídio de dois jovens num curto espaço de tempo numa comunidade educativa na região de Viseu.
Na altura também aqui deixei umas
notas de que retiro um excerto e acrescento uma história, “Uma história de
vulcões”.
“Corremos então o risco de
alguns adolescentes, sobretudo em períodos mais crispados do ponto de vista
social, como estamos a viver, entre “muros”, nas mais das vezes invisíveis, que
apertam de mais e são difíceis de “saltar”. Vejamos alguns exemplos, se alguém
os inquirir sobre o que pensam ser o seu futuro, o seu projecto de vida, muito
provavelmente obterá uma resposta vazia, ou seja, não têm projecto de vida, não
têm ideia de futuro, trata-se assim de viver o presente e apenas o presente. A
adolescência é uma fase fundamental na construção da identidade. Certo, que
identidades estão muitos destes jovens a construir? Revêem-se nelas? Ou
sentem-se meio perdidos num mundo em que não sentem caber e encostam-se aos que
estão tão perdidos quanto eles. Que referências sustentam muitos destes jovens?
Os modelos adequados, o que quer que isto seja? Ou os modelos fornecidos por
quem, como eles, vive o presente à pressa cheio de medo do futuro, procurando
chegar a tudo antes que se acabe a oportunidade?
Por vezes lembro-me de Brecht,
“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem”. Esta ideia não tem como objectivo branquear ou
desculpar os comportamentos socialmente inadequados de adolescentes, dirigidos
a outros ou mesmo a si próprio, mas a verdade é que muitos vivem com margens
demasiado estreitas.”
E agora “Uma história de vulcões”
“Há uns dias, numa escola lá
daquela terra onde acontecem coisas e onde vive o Professor Velho, aquele que
está na biblioteca e fala com os livros, um dos gaiatos, o Marco, desencadeou
uma cena complicada de gerir. Sem razão aparente e de forma súbita tornou-se
muito reactivo, com uma atitude e uma linguagem muito agressivas. Os colegas,
um pouco perplexos, afastaram-se, um funcionário tentou intervir, mas não foi
bem recebido e apenas o aproximar de mansinho e a fala cativante da Professora
Joana pareceram começar a tranquilizar o Marco.
O episódio foi, naturalmente,
objecto de conversa, até porque nos últimos tempos já tinham acontecido outras
situações da mesma natureza que alimentam o que a escola chama de onda de
indisciplina.
Num grupo em que, de volta de
um chá na sala de professores, se comentava o assunto o Professor Velho opinou
daquela forma tranquila que talvez se tratasse de um problema de vulcões,
poderia não ser essencialmente um problema de indisciplina. Face à estranheza
que a afirmação provocou o Velho começou a falar de como se tem vindo a
instalar em muitos miúdos um mal-estar que, quase sem darmos por isso, os vai
preenchendo por dentro. Uns resistem e com alguma ajuda que lhes possamos dar,
quando estamos atentos, vão acomodando defesas e ajudas e reorganizam-se,
sobrevivendo. Outros, mais vulneráveis e a que não conseguimos estar atentos,
acabam roídos por esse mal-estar entranhado e pode acontecer que se afundem,
implodam, se deprimam e desistam de si e de lutar pela vida ou, foi o caso do
Marco, que a pressão do mal-estar dentro deles se torne tão grande e
insustentável que provoque a explosão, entrem em erupção descontrolada que
liberte aquela mágoa que lhes rói o sentir. Depois dessas erupções podem entrar
em período de acalmia até à próxima explosão.
É agora que teremos de ir à
procura do Marco.”
Sem comentários:
Enviar um comentário