Nos últimos dias têm e sem surpresa tem entrado na agenda vários episódios que, apesar de lamentavelmente já não estranharmos e talvez por isso, nos fazem sentir algures entre a indiferença alimentada pela regularidade de situações desta natureza e uma raiva a crescer nos dentes alimentada pela indignação. Estou a referir-me às trafulhices, esquemas, “desvios”, tráfico de influências, casos de corrupção, roubos, enfim, dá para escolher a qualificação dada a criatividade e a alta incidência de situações.
Os indicadores produzidos
regularmente pelo Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da
Transparency International, a rede global de Organizações Não-Governamentais
que em Portugal é representada pela Transparência e Integridade mostraram que Portugal
permanece sistematicamente numa posição pouco digna, antes pelo contrário, na
tabela do índice de percepção da corrupção tendo praticamente estagnado o que
segundo a Transparência e Integridade evidencia a inexistência de uma
estratégia de combate à corrupção e aos designados crimes de "colarinho
branco".
Sabe-se ainda que numa parte
muito significativa dos casos conhecidos, registados e investigados não resulta
condenação. São também regulares as referências à falta de meios e recursos
humanos no sistema judicial, mas a coisa não se altera significativamente.
Lembro também que já em Fevereiro
de 2016 a Comissão Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe
uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em vigor”. Não sei se já
temos uma estratégia nacional de combate à corrupção, somos bons a definir
estratégias nacionais e até admito que sim, mas os resultados …
No entanto, sobretudo à entrada
de cada novo governo ou em períodos pré-eleitorais, está sempre presente nos
discursos partidários a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a
corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e,
regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram
na agenda, por vezes até se dá mais um "jeitinho" nas leis (nada de
substantivo) e rapidamente tudo se apaga até ao próximo fingimento.
Do meu ponto de vista, nenhum dos
partidos do chamado “arco do poder” ou que a ele pretendem aceder, está
verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode
ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder nos diversos
patamares. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto
no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do
seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo
a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções,
são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que
determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários
donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina
da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta
teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em
que existem interesses em ligação com o estado, a banca, as obras públicas ou
os grandes escritórios de advogados verdadeiramente os autores da legislação
que depois irão aplicar ou sobre a qual darão, venderão, pareceres criteriosos
e são apenas exemplos. Acresce o intenso tráfego de dirigentes entre entidades
públicas e privadas sem qualquer sobressalto. Os últimos anos, meses, semanas,
dias, foram particularmente estimulantes nesta matéria.
A manutenção deste quadro, que
nenhum partido estará verdadeiramente interessado em alterar, exige um quadro
legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e
fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a
sobrevivência dos partidos, tal como estão e da praxis que desenvolvem, exigem
a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterar.
Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas
mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria
um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de amigos de
diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
O combate à corrupção, parece,
assim, um problema complicado e fortemente dependente da inadiável criação de
uma pressão cívica que obrigue à mudança. De quem faz parte do problema, não
podemos esperar a solução.
Finalmente, estamos mergulhados
num contexto internacional profundamente marcado pela desinformação, ataques à
democracia, protecção da minoria que dita a vida, os problemas, da maioria.
É neste cenário diversificado que
se cumpre a pantanosa pátria nossa amada.
Sem comentários:
Enviar um comentário