No congresso do PSD, o primeiro-ministro anunciou algumas medidas a tomar pelo Governo. No que respeita à educação, em linha com o que o reconhecido especialista em educação, secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo, já tinha referido, Luís Montenegro retomou a intenção de "rever os programas do ensino básico e secundário e explicitamente referiu a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento para "reforçar o cultivo dos valores constitucionais" e garantir que seja liberta “das amarras de projectos ideológicos ou de facção”.
Já aqui abordei a referida
revisão global de todos os programas, agora umas notas mais dirigidas para a
questão da disciplina Cidadania e Desenvolvimento.
Os estilos de vida, as exigências
de qualificação têm tornado gradualmente a escola mais presente e durante mais
tempo na vida de crianças e adolescentes e, consequentemente, com reflexos na
educação em contexto familiar.
Importa também acentuar que fora
dos contextos escolares, o padrão relacional entre adultos, de todas as
condições, exprime também com demasiada frequência descontrolo e
conflitualidade. O comportamento agressivo, verbal, físico, psicológico, etc.,
tornou-se quase, um novo normal em múltiplos contextos.
Sabemos também que a ideia de que
a “família educa e a escola instrói” já não colhe e espera-se que a escola não
forme “apenas” técnicos, mas cidadãos, pessoas, com qualificações ao nível dos
conhecimentos em múltiplas áreas.
Um sistema público de educação
com qualidade, desde há muito de frequência obrigatória e progressivamente mais
extenso, é uma ferramenta fundamental para a promoção de igualdade de
oportunidades, de equidade e de inclusão. Uma educação global de qualidade é de
uma importância crítica para minimizar o impacto de condições sociais,
económicas e familiares mais vulneráveis.
Não é possível que a leitura
regular da imprensa escrita, sobretudo nos últimos tempos e no que respeita à
educação tenha na terminologia de boa parte dos trabalhos publicados e sem
qualquer ordenação de frequência ou preocupação, alunos desmotivados, agressões
a professores, agressões a alunos, agressões a funcionários, “bullying”,
violência escolar, humilhações, falta de autoridade dos professores, imagem
social degradada dos professores, professores desmotivados, famílias
incompetentes, pais negligentes, demissão familiar, indisciplina, recusa,
contestação, insucesso, facilitismo, burocracia, currículos desajustados,
insegurança, medo, receio, etc. São ainda preocupantes indicadores relativos a
Neste contexto parece-me claro a
que a abordagem de matérias como Direitos Humanos; Igualdade de Género;
Interculturalidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Ambiental; Saúde;
Sexualidade; Media; Instituições e Participação Democrática; Literacia
Financeira e Educação para o Consumo; Segurança Rodoviária; Risco,
Empreendedorismo; Mundo do Trabalho, Segurança defesa e paz, Bem-estar animal e
Voluntariado são fundamentais ao longo do processo de formação de crianças,
jovens e adultos.
No entanto, também entendo que a
abordagem a estas matérias não tem necessariamente de ser “disciplinarizada”,
mas esta é ainda uma outra questão.
Nas sociedades contemporâneas um
sistema público de educação com qualidade, desde há muito de frequência
obrigatória e progressivamente mais extenso, é uma ferramenta fundamental para
a promoção de igualdade de oportunidades, de equidade e de inclusão. É através
de uma educação global de qualidade que se minimiza o impacto de condições
sociais, económicas e familiares mais vulneráveis.
Dito isto deixem-me olhar para a
fonte do mal, a “ideologia”.
Acho sempre curiosas as
discussões em torno das “questões ideológicas” designadamente no universo da
educação. Tenho para mim que não existem políticas públicas de educação, ou de
outra área, que sejam neutras, assépticas, imunes, etc. em matéria de valores
sociais ou ideologia, seja tudo isto o que for.
Ao defender, por exemplo,
princípios de educação inclusiva, já me tem acontecido ser “acusado” de
produzir um discurso ideológico. Muito provavelmente, os meus interlocutores
esperariam que me procurasse “defender” através da evidência científica. No
entanto, a minha resposta começa habitualmente com algo como, “ainda bem que
fui claro, o meu discurso corresponde a uma visão de sociedade, de educação e
de escola. Agora vamos à evidência científica que a sustenta".
Provavelmente, nas mais das vezes, ficamos na mesma, cada qual com a sua visão
ideológica, pois claro.
Acontece ainda que, com
frequência se confunde ideologia com partidarismo. Como já afirmei, tenho uma
visão ideológica o mundo que me rodeia, mas não consigo encaixar-me numa visão
partidária o que, naturalmente, será uma limitação da minha parte.
A verdade é que já cansa a forma
habilidosa como muitas questões são abordadas em função da “ideologia”.
Boa parte das pessoas que
contestam o que afirmam constituir uma visão ideológica entende que o que
defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as ideias contrárias,
essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser combatidas.
Tantas e tantas vezes tropeço com
este entendimento que envolve uma outra dimensão menos explicitada, a ética.
Tantos interlocutores me dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos
ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os
estudos são mal feios e contaminados pela ideologia ou que a experiência não
serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso é ideológico e o do
interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista ideológico, obviamente,
suportado com a evidência científica que ao meu é negado porque os estudos …
são ideológicos. Sim, como disse, o que penso tem uma carga ideológica, é assim
que entendo o mundo.
Na verdade, não acredito em
visões de sociedade sem arquitectura ideológica e ética. Isso não existe, só
por desonestidade intelectual se pode afirmar tal.
Como disse e reafirmo, há décadas
que não tenho qualquer espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me
queixo, é assim que penso. No entanto, tenho posições que são de natureza
ideológica sobre o que me rodeia e o que respeita à vida da gente.
Não as entendo como únicas,
imutáveis ou exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém
que também assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho
ideologia” como se isso fosse uma fonte de autoridade.
Boa Tarde Professor José Morgado,
ResponderEliminarTenho que concordar consigo em que as decisões deveriam ser tomadas com base na Ética!
Cada um tem o seu ponto de vista e antes de criticar o alheio há que meter-se nos sapatos dele e perceber o porquê, os prós e os contras daquele ponto de vista, sendo que pode ser mais útil para a Sociedade, que o Nosso.
A disciplina nunca deveria ter existido. A cidadania, sim, deveria, deve e deverá continuar, na prática.
ResponderEliminarhttps://www.publico.pt/2024/08/23/culturaipsilon/cronica/escola-pobres-2101345
António Guerreiro, Revista Ípsilon, Jornal “Público”, 23 de agosto de 2024.
Uma escola de pobres
A palavra “literacia” veio designar o que a antiga “alfabetização” deixou de ser capaz de nomear: o domínio de códigos específicos, de práticas linguísticas especializadas, sem as quais os cidadãos ficam limitados nos seus gestos, conhecimento e capacidades.
A ideia do ensino de uma literacia (…) significa que ficaram para trás os valores da clássica literacia abrangente, universal; significa que o ideal de uma esfera de interação comunicativa (que a tradição iluminista estabeleceu como fator essencial da cidadania e da criação de um espaço público baseado na razão crítica) foi substituído por práticas linguísticas especializadas. Se a escola, na tradição humanista, fazia dos textos literários um instrumento essencial para a aquisição de competências de leitura e escrita, era, entre outras razões, porque considerava que a literatura correspondia ao mais sofisticado uso da linguagem e, por conseguinte, fornecia as aptidões para a compreensão e o uso de todos os campos linguísticos não técnico-científicos. E, ao mesmo tempo que conferia ao indivíduo a capacidade de realizar as suas tarefas funcionais, permitia-lhe também participar na esfera pública enquanto cidadão.