AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

DO MAL-ESTAR NA PROFISSÃO DOCENTE

 Foram hoje divulgados os resultados de um inquérito realizado pela FNE junto de professores direccionado para os problemas sentidos no ser professor nos tempos que correm.

Responderam 3570 docentes dos diferentes níveis de ensino. Provavelmente, voltaremos a alguns dados de natureza mais específica, mas em termos mais globais e com a cautela de que quem não conhece o estudo, alguns indicadores mais relevantes, quase 90% entendem que a profissão não é socialmente reconhecida, 53,1% afirmam gostar muito de ser professor, mas apenas 12% se sentem valorizados. Dos inquiridos, 89% identificam como dimensões críticas, as pouco ou nada atractivas perspectivas de carreira que 95% consideram não estar ao nível das competências e qualificações que lhes são exigidas.

É ainda referido por 86% o excesso de trabalho e a carga burocrática. A avaliação de desempenho constitui uma preocupação para dois terços dos respondentes e três em cada quatro afirmam-se preocupados ou muito preocupados com a progressão na carreira.

Como tantas vezes aqui tenho abordado e recuperando notas já escritas, os problemas que envolvem a classe docente e as suas consequências a curto e médio prazo, sendo conhecidos de há muito, são agora claramente reconhecidos apesar de algumas tentativas de torcer a realidade. Nos últimos anos têm sido recorrentes as referências, relatórios e estudos evidenciando a preocupante falta de professores, o envelhecimento da classe, os níveis de cansaço e de exaustão emocional, a baixa atracção dos mais jovens pela profissão associada a modelos de carreira, contratação e valorização pouco motivadores e justos. Os professores passam por dispositivos de avaliação pouco transparentes e competentes que desmotivam, causam mal-estar e climas institucionais pouco amigáveis, para ser simpático na adjectivação.

O modelo de governança das escolas é também apontado com frequência como motivo de mal-estar e desmotivação

Por outro lado, existem algumas sombras que podem sugerir um parece ter-se desenhado um processo questionável e preocupante de “desprofissionalização”. No entanto, também é de registar que de uma forma geral continuam a merecer a confiança das comunidades.

Este quadro, de um mal-estar reconhecido, não pode deixar de ter impacto. Como muitas vezes afirmo, crianças, enquanto grupo social, e professores, enquanto grupo profissional, constituem dois grupos nucleares nas sociedades contemporâneas. Os mais novos porque são o futuro e os professores porque, naturalmente, o preparam, tudo (quase) passa pela escola e pela educação. Entre nós, este entendimento ainda me parece mais justificado porque, devido a ajustamentos na organização social e familiar e, é minha convicção, devido a políticas públicas sociais e educativas inadequadas, os miúdos passam tempo excessivo na escola, alterando a dinâmica educativa familiar o que sobrevaloriza o papel da escola através dos professores.

Raramente a profissão professor tem estado tanto em foco como nos últimos anos bem como a necessidade de defender a qualidade da escola pública. Os tempos que vivemos sublinham uma questão e outra de forma crítica.

Múltiplas acções e decisões políticas, bem como alguma imprensa e "opinion makers" têm contribuído para degradar a sua função, fragilizar a sua imagem social e comprometer o clima e a qualidade do trabalho desenvolvido nas escolas apesar dos professores continuarem a ser uma das classes profissionais em que os portugueses mais confiam.

A atenção que tem estado centrada nos professores advém de boas e más razões. Não cabe aqui um balanço, e entendo que, tal como os miúdos, os professores não têm sempre razão, os discursos dos seus representantes são, por vezes parte do problema e não parte da solução e também sei que existem alguns professores que o não deviam ser. No entanto, a verdade é que a esmagadora maioria dos docentes são ... Professores, muito bons Professores.

Ser professor no ensino básico e secundário por razões conhecidas e por vezes esquecidas, é hoje uma tarefa de extrema dificuldade e exigência que social e politicamente justifica um reconhecimento e valorização frequentemente negligenciados. Acresce que é uma tarefa desempenhada por uma classe extremamente envelhecida e cansada como tem sido amplamente estudado e divulgado.

Por um momento, pensemos no que é ser professor em algumas escolas que décadas de incompetência na gestão urbanística, nas políticas sociais e consequente guetização social produziram.

Pensemos ainda na forma como milhares de professores cumprem a sua carreira, muitos deles sem a possibilidade de desenharem projectos de vida para si quando são os principais responsáveis por lançar projectos de vida para os miúdos com quem trabalham. Aliás, nos últimos anos, milhares de professores, de bons professores e professores necessários, foram constrangidos à reforma e muitos ao desemprego por uma política de contabilidade inimiga da educação pública e da qualidade.

Pensemos em como os professores são injustiçados nas apreciações de muita gente que no minuto a seguir a dizer uma qualquer ignorante barbaridade, vai numa espécie de exercício sadomasoquista entregar os filhos nas mãos daqueles que destrata, depreendendo-se assim que, ou quer mal aos filhos ou desconhece os professores e os seus problemas.

Pensemos como é imprescindível que a educação e os problemas dos professores não sejam objecto de luta política baixa e desrespeitadora dos interesses dos miúdos, mesmo por parte dos que se assumem como seus representantes.

Pensemos que a forma como os miúdos, pequenos e maiores, vêem e se relacionam com os professores está directamente ligada à forma como os adultos os vêem e os discursos que fazem.

Pensemos finalmente nos professores que nos ajudaram a chegar ao que hoje cada um de nós é, aqueles que carregamos bem guardadinhos na memória, pelas coisas boas, mas também pelas más, tudo contribuiu para sermos o que somos.

A valorização social e profissional dos professores em diferentes dimensões é uma ferramenta imprescindível a um sistema educativo com mais qualidade. A valorização e reconhecimento passam também pela necessidade de modelos de carreira e de avaliação justos e transparentes que sustentem, reconheçam e promovam competência, empenho e atracção pela profissão.

Estamos num novo ciclo e importaria que a realização de mudanças nas políticas públicas de educação, e não só. Este caminho está a esgotar-se e o futuro parece comprometido, atentemos nos resultados mais recentes da avaliação dos alunos. Não vale a pena negar a realidade.

E o futuro não pode esperar.

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