AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 17 de agosto de 2024

DA QUESTÃO DO CURRÍCULO

 No âmbito dos Projectos-Piloto de Inovação Pedagógica, sempre a inovação, o MECI convida (?!) sete estabelecimentos de ensino a criarem já para o próximo ano no ensino secundário uma nova disciplina “Literacias” de carácter obrigatório.

O objectivo será permitir alguma diferenciação na escolha dos alunos relativamente à formação que adquirem no secundário. Embora perceba A intenção tenho sérias dúvidas que a multiplicação de disciplinas seja o caminho mais indicado.

Acresce que, do meu ponto de vista, as múltiplas literacias fazem parte da formação dos alunos, escolar e não escolar, desde a infância podendo, naturalmente, ser desenvolvidas de formas diferentes e não necessariamente com criação de disciplinas.

Algumas notas.

De há uns anos para cá tem vindo a engordar, a engordar, e regularmente continuam a surgir iniciativas e projectos com impacto curricular para desenvolver, claro, na escola.

É verdade que os alunos, passam, muitos deles, oito, dez horas, por vezes mais, na escola cumprindo o equívoco de uma Escola a Tempo Inteiro. Em resposta às necessidades das famílias de guarda das crianças em horário laboral parece mais fácil alongar o tempo escolar.

Não está, evidentemente, em discussão a importância de que a educação de crianças e jovens envolva as diversas questões presentes na vida das comunidades, antes pelo contrário. A questão é que haver uma tendência que suscita reservas de que a escola ensina e resolve. Não, não a escola não resolve tudo.

Em diversas ocasiões tenho manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que de alguma forma possa envolver os mais novos e a sua formação deva ser ensinado/trabalhado na escola. Esta visão obesa da escola não funciona, nem tudo pode ou deve ser transformado em disciplinas, conteúdos escolares, projectos, … para além de que a escola tem um conjunto de funções incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder. Sabemos, aliás, as dificuldades que a escolas e os professores sentem no cumprimento dessas funções.

Sabemos que, independentemente das opções e visões ideológicas, uma das questões que no universo da educação estarão sempre em aberto é a que envolve os conteúdos e organização curricular. De facto, a velocidade de produção e acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento, as mudanças nos sistemas e no quadro de valores das comunidades determinam a regular reflexão e ajustamento sobre o que a escola deve ensinar e trabalhar, sobretudo durante a escolaridade obrigatória.

Por outro lado, o tempo da escola e a competência da escola são finitos, isto é, a escola não tem tempo nem pode ou deve ensinar tudo. Lembram-se certamente das discussões sobre se matérias como educação sexual, educação cívica, literacia económica e financeira, educação para a saúde, para citar apenas alguns exemplos, deverão, ou não, constituir-se como "disciplinas", conteúdos ou mesmo se devem integrar os currículos escolares.

E acontece que perdemos a conta de planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegam às escolas para a educação científica, aprendizagem emocional, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis e actividades desportivas, literacia financeira e também a mediática, promover a inovação e as novas tecnologias, aprender a andar de bicicleta, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Em princípio, independentemente de os conteúdos poderem ser mais ou menos pertinentes, vejo sempre com alguma reserva as propostas de introdução de mais uma disciplina, mais conteúdos, mais um manual, mais umas orientações, mais um programa de formação, perdão, de capacitação, de professores, como se a escola, o currículo escolar, os conteúdos, as suas competências, pudessem continuar a engordar indefinidamente. E não se trata de um problema de recursos ainda, actualmente, seja uma questão muito séria.

Como é evidente, pode dizer-se sempre que muitas destas questões podem integrar o trabalho escolar considerando até que os alunos passam um tempo imenso, diria excessivo, nas escolas. Aliás, tal acontece em muitas escolas e agrupamentos.

A questão central, do meu ponto de vista, é que as competências da escola, os conteúdos que nela são trabalhados, integrando ou não formalmente os currículos, não podem mesmo aumentar continuamente. Urge uma reflexão serena, participada e com tempo sobre o ajustamento dos conteúdos, a sua integração e organização, a forma como podem acomodar a diversidade dos alunos e a necessidade de diferenciação dos professores, a formação global dos alunos e não exclusivamente a promoção de competências instrumentais, etc.

Somar conteúdos e competências à escola sem ajustamento dos conteúdos e organização existentes, pode promover problemas e não soluções, de tanto que lhe exigem corre risco de não providenciar o que lhe compete.

Na verdade, nem tudo o que pode ser interessante ou importante saber ou conhecer terá de caber numa disciplina ou num conteúdo escolar e nem tudo o que se pode saber e conhecer se aprende na escola.

Tenho uma visão da escola centrada no TODO do aluno, mas não no "ensino" do TUDO que o aluno deve saber ou conhecer.

A questão é que os alunos estão muito tempo na escola e a tentação é óbvia e grande, a escola que faça.

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