AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 31 de dezembro de 2023

DA EDUCAÇÃO. EM JEITO DE BALANÇO

 Faz parte das rotinas do final de ano proceder de diversas formas a um balanço do ano que acaba e se perspective o ano que vai chegar. Algumas notas relativas ao universo da educação, a área em que me movo há décadas, embora não esqueça a gravidade e preocupação com o rumo do mundo que constitui uma enorme ameaça, sendo que os sinais de esperança em melhoria são ténues.

Na educação, o ano que está a terminar o ano é marcado pela situação que envolve os professores e as suas consequências nas comunidades escolares Num caminho que começou em Maria de Lurdes Rodrigues e continuado pelos Ministros de Educação que se seguiram temos vindo a assistir a uma sucessão de medidas de políticas públicas de educação com impactos significativos e negativos na profissão docente e nas pessoas que a desempenham que se interligam ou associam.

Sem hierarquizar ou esgotar vejamos alguns aspectos. Regista-se a manutenção de um modelo de carreira, recrutamento e colocação de professores ineficiente e produtor de injustiça, um modelo de avaliação também injusto, incompetente e pouco transparente, a desvalorização salarial e social que se associam a uma baixa atractividade pela carreira de professor, o previsível e não acautelado envelhecimento dos professores e o consequente abandono, o cansaço e desânimo sentido pelos docentes e sublinhado em muitos estudos, o modelo de governança de agrupamento e escolas que se liga, embora não como única variável, ao clima que se vive em muitas comunidades escolares, um caminho de “descentralização”/municipalização” cheio de dúvidas e pouco claro, ou a burocracia excessiva que leva a uma “agitação improdutiva” e, pior, cansativa e ineficaz.

Este contexto acaba, naturalmente, por se tornar mais pesado e doloroso para os que gostam, escolheram e querem ser e continuar a ser professores, a maioria dos docentes apesar dos discursos de cansaço que regularmente se ouvem.

Todas estas questões sustentaram uma mobilização reactiva de forma muito significativa dos professores e tanto mais significativa, quanto também emerge fora, por assim dizer, da influência dos mais habituais “representantes” dos professores e se evidencia o apoio de pais e alunos, também preocupados com a situação de mal-estar e injustiça dos docentes.

Ainda relativamente aos professores e também decorrente das políticas públicas erradas de que, sem surpresa, ninguém assume responsabilidade, assistimos ao agudizar da falta de docentes que produz efeitos de diferente natureza e todos preocupantes, muitos alunos sem aulas a alguma disciplina no final do primeiro período, recurso profissionais sem formação adequada e o risco de promoção de uma “desprofissionalização” da classe docente com óbvios riscos.

Merece também registo o conhecimento de dados conhecidos de diversos dispositivos de avaliação externa do desempenho de alunos, de produção interna pelo IAVE, exames ou provas de aferição, ou externa de que é exemplo o PISA, que claramente mostram um abaixamento do desempenho escolar dos alunos portugueses nos diferentes ciclos e com a manutenção de desigualdades que a educação escolar não está a minimizar. Os dados dos dispositivos de avaliação externa contrastam com as avaliações internas, que através dos “percursos de sucesso” (alunos que terminam o ciclo no número de anos previsto) mostram uma discrepância altíssima que não deveria existir.

O ME continua, apesar da retórica em sentido contrário, a envolver as escolas e o seu quotidiano numa burocracia asfixiante e inútil que aumenta problemas e nada contribui para soluções.

Continua a ser imprescindível dotar as escolas de forma continua e estável dos recursos necessários para minimizar tanto e tão rápido quanto possível as dificuldades que identificam. Recursos suficientes para recorrer a apoios tutoriais ou ao trabalho com grupos de alunos de menor dimensão, apoios específicos a alunos mais vulneráveis, técnicos, psicólogos, por exemplo, num rácio que possibilite um trabalho multidimensionado como é exigido, etc., são essenciais e serão sempre essenciais. Torna-se também necessária a existência de dispositivos de regulação que sustentem o trabalho desenvolvido e de processos desburocratizados.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos. Por outro lado, também acontece que todo este movimento acaba por mascarar a inadequação ou ausência em matéria de políticas públicas.

O ano também me parece marcado pelo deslumbramento do ME com a transição digital, quando são conhecidas com demasiada frequência queixas relativas ao acesso a equipamentos por parte dos alunos, à qualidade dos equipamentos, à insuficiência dos recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, nas escolas, mas em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede de net eficientes, por exemplo. Acontece ainda que existe uma enorme diversidade na literacia digital dos alunos. Deste cenário podem decorrer situações sérias de desigualdade entre escolas e entre alunos e todos conhecemos múltiplas situações que evidenciam a enorme disparidade de recursos e da sua utilização.

É conhecido também que muitas famílias recusam receber os computadores pois em caso de problemas serão responsáveis pelos equipamentos. Nesta situação estão sobretudo famílias com menores rendimentos o que, naturalmente, não será de estranhar. Os exames e provas de aferição serão realizados em formato digital em 2024.

O ME, não só nesta questão, mas de uma forma geral optou por um discurso de negação de dificuldades ou enreda-se em exercícios de “wishfull thinking” em que tudo vai (quase) bem.

Em Março teremos eleições e a equipa que se segue no ME herda um pesado caderno de encargos e seria desejável que se assumisse que as necessidades de mudança em matéria de políticas públicas, são demasiado importantes para que não sejam realizadas e se devolva, tanto quanto possível, a tranquilidade aos professores, às escolas, às comunidades educativas. De uma vez por todas, é necessário contenção e combate ao desperdício, mas em educação não há despesa há investimento.

A história não vos absolverá.

Bom Ano.

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