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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

VÍCIOS PRIVADOS, PÚBLICAS VIRTUDES

 Foram divulgados os resultados da Comissão Independente que investigou os abusos de crianças verificados no seio da Igreja em Portugal. Os números conhecidos, pelo menos 4815 crianças abusadas, pecam, obviamente, por defeito por várias razões.

Independentemente dos discursos que agora se ouvem por parte de responsáveis da Igreja e à semelhança do que acontece em muitos países, também a Igreja em Portugal se mostrou inaceitavelmente tolerante com casos conhecidos e comprovados de abusos sexuais de crianças ou adolescentes por parte de membros do clero ou de instituições sob sua tutela. As queixas e denúncias têm sido recorrentes como recorrentes são os arquivamentos por razões processuais e formais, não porque se tenha provado que não existiram abusos. Em alguns casos, no limite, a hierarquia da igreja “deslocalizou” os sacerdotes envolvidos mantendo-os em funções ou num discreto retiro sem qualquer procedimento mais significativo.

Recordo que há já alguns anos o então bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, afirmar que a Igreja está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo".

Na verdade, D. Manuel Martins tinha razão, a reconhecida perda de influência da Igreja, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhecia D. Manuel Martins e, acrescento eu, a comportamentos como os que tem adoptado face a sucessivas noticias de abusos por parte de membros do clero ou praticados em instituições religiosas marcado por encobrimento, compra do silêncio das vítimas e negligência. É verdade que foi criada a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa cujos resultados agora conhecemos, foi tarde.

Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a necessidade de mudança no discurso sobre a anti-concepção, o casamento homo ou heterossexual, o celibato dos padres, a abertura do sacerdócio às mulheres, a ostentação visível em parte da hierarquia da igreja, na necessidade de manter transparência e rigor face a comportamentos que para além do sofrimento das vítimas também acabam por penalizar a própria Igreja, etc.

Enquanto assim não for, talvez a simpatia e as boas intenções e discursos do Papa Francisco não sejam suficiente para esbater uma ideia de “públicas virtudes, vícios privados” que não sendo, evidentemente, generalizável, também não pode ser tolerada.

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