AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

OS MIÚDOS E OS CARROS

 Um dia destes, estava num grupo de que faziam parte algumas crianças que se entretinham de forma variada. Um deles, num canto, não largava a consola. Aproximei-me e vi o gaiato, uns oito ou nove anos, a conduzir um bólide por uma pista cheia de outras bombas. Percebendo a minha curiosidade resolveu mostrar as suas habilidades de condução na consola. O miúdo era mesmo bom. Nem me atrevi a experimentar, ficaria envergonhado.

Os carros sempre fascinam os miúdos. Quando eu tinha aquela idade também me atraíam. Para mais, na família nem sequer tínhamos automóvel e a distância aumentava a atracção.

O mais curioso é que naquele tempo boa parte de nós, sobretudo os rapazes, como sabem os carros eram coisa para rapazes, arranjávamos carro, os carros de rolamentos de esferas. Cada um tinha o seu e, às vezes, até mais do que um. Com pouco dinheiro conseguia-se uns rolamentos, o meu pai de vez em quando trazia lá do trabalho dele, era serralheiro, ou, em alternativa, nos sucateiros do Gato Bravo também se encontravam rolamentos variados e em conta. As tábuas, bem, as tábuas arranjavam-se numa visita nocturna a alguma obra na zona porque aquelas tábuas grossas das cofragens eram as melhores.

Os meus carros ficavam sempre um espectáculo, desculpem a imodéstia, e faziam sucesso. Por vezes, quando não se destinavam a corridas até tinham bancos, forrados com uns restos de alcatifa, coisa fina, como vêem. Tinham travões, as ruas onde andávamos com os carrinhos assim o obrigavam, que eram feitos com os saltos de borracha dos sapatos que proporcionavam travagens eficientes. Sempre pintados com as tintas que se surripiavam aos pais, até tinham faróis, tampas de latas pregadas nos sítios adequados simulavam-nos de forma excelente. Tratava-se do mais genuíno tunning.

Quanto à condução, era adrenalina da pura. Na velha Rua I, inclinada quanto baste e sem muito trânsito, grandes corridas ali se fizeram e também grande “malhanços” se produziram e, devo confessar, o alcatrão queima e esfola que não é brinquedo.

Mas é assim, mudam-se os tempos, tudo fica diferente, mas devo confessar, enquanto o gaiato corria um qualquer Grand Prix na consola, a mim consola-me a lembrança dos meus carrinhos de rolamentos.

Mas isto é mesmo uma história de velho, hoje não se pode brincar na rua e os carros de rolamento não andam em casa.

Resta mesmo o consolo da consola. Será?

Não, definitivamente não, podemos e devemos fazer melhor.

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