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domingo, 3 de julho de 2022

DO SUCESSO ESCOLAR, ALGUMAS DÚVIDAS

 A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o relatório ”Estatísticas da Educação 2020/2021” com os dados relativos à retenção e abandono escolar.


O quadro global inserto no Público mostra uma ligeira subida no ensino básico face a 2020 embora este seja um ano em que os resultados da avaliação parecem um pouco atípicos associados a largos períodos de confinamento e ao ensino não presencial.

No entanto, face a 2019 verifica-se uma pequena descida em linha com o abaixamento da retenção e do abandono nos últimos anos.

No ensino secundário, contrariamente ao básico, a retenção e o abandono baixam em 2020 à boleia dos resultados no 12º ano e dos ajustamentos verificados na avaliação.

Aparentemente são positivos, mas lá vem o maldito … mas.

Estes resultados, gostava de que assim não fosse, levantam-me algumas dúvidas tal como os indicadores também há pouco tempo divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência divulgou o relatório “Resultados escolares: sucesso e equidade”, que analisa o percurso escolar dos alunos entre 2018 e 2020 me suscitaram e que recordo.

Considerando o indicador utilizado, conclusão de cada ciclo e do ensino secundário no número de anos que tem, temos que 89% dos alunos do 1º ciclo, 95% no 2º ciclo e 86% no 3º ciclo terminaram no tempo esperado.

No que respeita ao secundário, 67% dos estudantes acabaram o 12º nos três anos previstos e nos cursos profissionais do secundário 65% dos alunos terminaram também nos três anos.

Estes resultados mostram melhorias relativamente a anos anteriores.

Considerando o percurso escolar dos alunos abrangidos pela Acção Social Escolar e sem estranheza os resultados são inferiores, 78% do total de alunos abrangido acabaram no tempo esperado.

Como escrevi na altura, ter a transição como indicador de sucesso sugere alguma prudência conhecendo o nosso sistema educativo e a forma como, por vezes, é gerida a “passagem” de ano dos alunos.

Para sustentar a melhoria dos resultados, do sucesso, seria imprescindível a existência de dispositivos externos de regulação que nos dessem “retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares.

Por outro lado e é por aqui que as minhas dúvidas se acentuam o IAVE divulgou em Maio os resultados das provas de aferição realizadas em 2021. No 2º ano, na prova de aferição de Português e Estudo de Meio, apenas 7,8% dos alunos responderam de forma completamente correcta, isto é, “apresentaram uma explicação fundamentada, analisando as ideias e construindo um raciocínio”. Na “análise e avaliação do conteúdo” de um texto, a percentagem média de respostas correctas situou-se nos 19%.

Em Matemática os alunos do 2º e do 8º evidenciam dificuldades persistente na “resolução de problemas”.

Em termos gerais, no 2º apenas em dois domínios, Oralidade em Português e Tecnologia em Estudo do Meio, se verificou que a maioria de alunos resolveu as questões colocadas.

No 5.º e no 8.º ano o cenário foi mais negativo, a percentagem de alunos que respondeu sem dificuldades, variou, conforme os domínios em avaliação, entre 2,7% e 44,2%, sendo que na maioria dos domínios analisados ficou abaixo dos 20%.

Os indicadores das provas de aferição parecem pouco coerentes com os dados da conclusão no tempo esperado para cada ciclo e nos agora conhecidos dados da retenção e abandono.

Colocando a questão de outra forma, podemos ler a transição de ano como sucesso na aprendizagem de competências e saberes ou definir o sucesso como “a passagem de ano”.

De facto, o que conhecemos através das provas de aferição não parece compatível com os indicadores de retenção e abandono.

Importa sublinhar com muita clareza que levantar esta questão não significa a defesa da retenção como ferramenta de sucesso e qualidade. Não é, sabemos que o “chumbo”, só por si, não gera sucesso e qualidade. Nenhuma dúvida sobre isto.

E volto a insistir,

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar e que significam conhecimentos e competências adquiridas.

É o que ainda não conseguimos fazer acontecer de forma consistente, generalizada e sustentada em Portugal, apesar da imensidade de projectos, iniciativas, inovação, actividades que, demasiadas vezes chegam do exterior às escolas, podem ser interessantes … mas não são mágicos, por mais que num exercício de "wishful thinking" os queiramos entender e vender como tal.

Não vale a pena insistir.

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