AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 3 de maio de 2022

UMA BOA NOTÍCIA, MAS ...

 De acordo com dados da Direcção-Geral de Estatísticas do Ensino Superior e da Ciência ontem divulgados, neste ano lectivo estão matriculados no ensino superior 416 652, o efectivo mais elevado de sempre. Este indicador associa-se a um aumento de 20% do total de aluno no superior nos últimos seis anos.

Trata-se de uma boa notícia, a qualificação é um bem de primeira necessidade no nosso país. Contra o que muitas vezes se ouve, não somos um país de doutores. Não temos qualificação a mais, temos desenvolvimento a menos.

No entanto, temos um ensino superior caro, com custos elevados para as famílias. O desafio que agora se coloca, sobretudo em tempos tão exigentes e no meio de um período de aumento do custo de vida, é evitar o abandono dos jovens que agora começam a carreira no superior, assim como, dos que já o frequentam.

No ano lectivo anterior candidataram-se a bolsa mais de 100 000 estudantes, o mais elevado de sempre. É verdade que também se tinha verificado um aumento do número de alunos, verificaram-se alterações no regulamento de atribuição de bolsas, mas também se sabe da perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia.

Algumas notas que já aqui tenho colocado começando por alguns dados.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Também dados de um trabalho conhecido em 2018 realizado pelo Projecto Eurostudent “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.

Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias.

São conhecidas as dificuldades de promoção de mobilidade social que o sistema educativo português, e não só, atravessa registando ainda níveis baixos de qualificação e perto de 160 000 jovens que não estudam nem trabalham.

Recordo que também em 2014 um estudo patrocinado pela Comissão Europeia em oito países da Europa revelava, sem surpresa, que Portugal apresenta uma das mais altas percentagens, 38%, de jovens que gostava de prosseguir estudos, mas não tem meios para os pagar. Espero que a actual realidade seja mais positiva apesar das dificuldades.

De acordo com o Relatório da OCDE, “Education at a Glance 2015”, os custos da frequência de ensino superior em Portugal suportados pelo universo privado, sobretudo as famílias, era o mais alto da União Europeia, 45.7%.

Segundo o relatório "Sistemas Nacionais de Propinas e Sistemas de Apoio no Ensino Superior 2015-16", da rede Eurydice da União Europeia apenas Portugal e a Holanda cobram propinas a todos os alunos do ensino superior, sendo também Portugal um dos países com valores de propina mais altos, mas como a vimos a percentagem de alunos dos Países Baixos com bolsa é superior à nossa.

Acresce que as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

A qualificação é a melhor forma de promover desenvolvimento e cidadania de qualidade o que exige torná-la acessível para a generalidade das famílias.

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