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sexta-feira, 25 de março de 2022

DOS AUMENTOS DE PROPINAS

 Na imprensa sucedem-se referências às manifestações e reivindicações de alunos do ensino superior contra o aumento substancial das propinas do 2º ciclo que confere o grau de mestrado. Já de há muito que as propinas dos mestrados são bem superiores às das licenciaturas e em muitos casos tremendamente caras. É muito cara a frequência do ensino superior em Portugal.

Esta cenário, aumento brutal de propinas nos mestrados, estava, como se costuma dizer, escrito nas estrelas. Em 2011 escrevi aqui:

Desde o início tenho afirmado que o processo de reforma no ensino superior mais conhecido pela "Reforma de Bolonha" radicou mais em questões económicas, o financiamento o ensino superior, que de natureza científica, curricular ou de mobilidade envolvendo estudantes e professores. O encurtamento do chamado grau de licenciatura para três anos e a criação do 2º ciclo, o grau de mestrado, possibilitou que na grande maioria dos cursos passassem a ser as propinas dos alunos a financiar o 2º ciclo com custos elevadíssimos em muitos estabelecimentos de ensino superior.”

O resultado é o que está à vista e não é animador, frequentar o ensino superior em Portugal é muito caro e a formação e qualificação são bens de primeira necessidade. Vejamos alguns dados.

De acordo com Relatório do CNE, "Estado da Educação 2019", a percentagem de alunos que em Portugal acede a bolsas de estudo para o 1º ciclo está no segundo escalão mais baixo da análise, entre 10 e 24,9%. Para comparação, Irlanda, Países Baixos estão no intervalo entre 25% e 49,9% e a Suécia no superior a 75%. Países como Espanha, França, Reino Unido e muitos outros têm percentagens de alunos com apoio superiores a nós e, sem estranheza, também maior nível de qualificação.

Em 2018 foi divulgado um estudo já aqui citado, “O Custo dos Estudantes no Ensino Superior Português” da responsabilidade do Instituto de Educação da U. de Lisboa, relativo ao ano lectivo de 2015/2016 mostrando que cada estudante universitário gastou em média 6445€ em despesas como propinas, material escolar, alojamento ou alimentação. Os alunos de instituições universitárias privadas têm uma despesa perto dos 10000€ e nos politécnicos privados o custo será de 8296€. De facto, sendo a qualificação superior um bem de primeira necessidade para os cidadãos e para o país, é um bem muito caro, demasiado caro para muitas famílias e indivíduos.

Também dados de um trabalho conhecido em 2018 realizado pelo Projecto Eurostudent “Social and Economic Conditions of Student Life in Europe” mostra um extenso quadro das condições de frequência do ensino superior em muitos países da Europa com base em dados de 2016 a 2018.

Da imensidade de dados disponíveis releva que Portugal é o quarto país em que as famílias assumem maior fatia dos gastos com a frequência do ensino superior. Verifica-se ainda uma forte associação entre a frequência do ensino superior e nível de escolarização e estatuto económico das famílias o que, naturalmente, não surpreende, mas dificulta a desejada mobilidade social.

Apesar de um abaixamento do valor as propinas no ensino público, as dificuldades sentidas por muitos estudantes do ensino superior e respectivas famílias, quer no sistema público, quer no sistema privado com valores mais altos de propinas, são, do meu ponto de vista, consideradas frequentemente de forma ligeira ou mesmo desvalorizadas. Tal entendimento parece assentar na ideia de que a formação de nível superior é um luxo, um bem supérfluo pelo que ... quem não tem dinheiro não tem vícios.

Este ano lectivo, o número de candidatos a bolsa foi o maior de sempre. É verdade que subiu o número de estudantes que entrou este ano no ensino superior e se verificou a perda de rendimento de muitas famílias em consequência do impacto económico e social da pandemia, mas é mais um indicador.

Os aumentos de propinas anunciados para o 2º ciclo só vêm dificultar ainda mais o acesso é esse bem imprescindível, qualificação.

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