AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 21 de março de 2022

DO NOVO CURRÍCULO DE MATEMÁTICA

 No Público encontra-se uma peça sobre as mudanças no currículo de Matemática reflectidas nas Aprendizagens Essenciais que entrarão em vigor no 1º, 3.º, 5.º e 7.º anos de escolaridade em 22/23 sendo aplicadas nos dois anos seguintes aos restantes anos de escolaridade.

Creio ser consensual que com uma regularidade adequada será necessário introduzir ajustamentos nos conteúdos curriculares por razões de ordem diversa e as mudanças devem ser ajustadas nos conteúdos e na forma.

A questão é que o currículo de Matemática, e não só, é uma matéria quase que permanentemente na agenda e, mais uma vez, esta divulgação desencadeou as divergências habituais, já presentes durante a discussão pública e também na própria decisão de alterar o currículo.

Não sou especialista em questões curriculares, mas curiosamente duas Associações, Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação dos Professores de Matemática, representativas deste universo quase sempre têm entendimentos diferentes com um argumentário que em alguns aspectos que me são mais familiares, o funcionamento dos alunos, me levantam dúvidas e, por vezes, me parecem fruto de agendas para além da Matemática.

No entanto, julgo que estruturas curriculares demasiado extensas, normativas e prescritivas são pouco amigáveis para o bom desempenho da generalidade dos alunos, pouco amigáveis para acomodar a diversidade sendo ainda que não será só a Matemática que poderia beneficiar de ajustamentos em matéria de currículo.

As alterações parecem ser de algum significado e estará a decorrer a formação, perdão, a capacitação dos formadores que trabalharão na formação, perdão, na capacitação dos docentes de Matemática.

Como acontece com qualquer alteração o objectivo será sempre adequar e melhorar as competências dos alunos. No entanto, o desempenho a matemática pode ainda ser influenciado, não numa relação de causa-efeito, por múltiplas variáveis como número de alunos por turma, tipologia das turmas, das escolas e dos contextos, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica.

Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes, mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto e que julgo necessitar de mais atenção.

São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso associada a contextos familiares de natureza diversa, por exemplo.

É também conhecido que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.

Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que a matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a atemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a atemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e, por vezes, bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.

De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.

Não fica fácil a tarefa dos professores, mas no limite e como sempre será a escola o braço operacional da comunidade que quer fazer a diferença.

Parece ainda claro e é uma questão central que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial criar e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados certamente, mas também com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização e desburocratização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação que não sejam "grelhodependentes", com expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.

Uma nota final para a importância da avaliação externa como forma imprescindível de regulação. No entanto, não entendo que só por existirem e serem muitos, os exames finais, só por si, insisto, só por si, melhorem a qualidade. É como se só por medir muitas vezes a febre se espere que ela baixe. A qualidade é promovida considerando o que escrevi em cima e regulada em termos globais pela avaliação externa que permite análises necessárias, nacionais ou internacionais como, por exemplo, o TIMSS.

É com a escola, por dentro da escola e integrado em sólidos projectos de autonomia e responsabilidade e com recursos adequados que o caminho se constrói.

Sabemos tudo isto. Nada é novo mesmo com um currículo novo. Só falta um pequeno passo.

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