AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 14 de agosto de 2021

ANDAR DE BICICLETA

 Apesar de entender a pertinência da iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta.

Como sempre, alguma competência que é julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando a escola aguentará o contínuo aumento de solicitações.

Na imprensa é referido que o Governo investirá três milhões de euros em bicicletas para que alunos do 2 ciclo, sim, do 2º ciclo, possam aprender a andar de bicicleta fomentando a actividade lúdica ou desportiva e a mobilidade sustentável.

É verdade que os estilos de vida e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido iniciativas no mesmo sentido.

Recordo que a Câmara de Torres Vedras desenvolveu uma iniciativa, “Mini-Agostinhas”, que envolvendo numa 1ª fase alunos do 1º e 2º ano de três escolas fomentou a aprendizagem do andar de bicicleta. Como afirmava um professor envolvido, muitas crianças acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta.

Recupero ainda o que escrevi há algum tempo a propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de Lisboa na qual, também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º com 25 a alunos, 80% não sabia andar de “bina”.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

A notícia e as notas, que alinhei fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.

Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos nos revíamos embevecidos.É certo que continuávamos em duas rodas, mas sempre tinha motor.

Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.

De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.

É verdade que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.

Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta.

Ainda agora, ainda que não tanto quanto queria, ando de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos.

2 comentários:

  1. Boa tarde Professor José Morgado!
    Um bem haja desde o meio do atlântico para o Alentejo.
    Gostei bastante deste "post".
    Na verdade, esta ideia das bicicletas na escola, e ser novamente a escola a substituir-se à família, aos amigos para ensinar a anadar de bicicleta... penso que não é de todo feliz!!! Aprender a anadr de bicicleta era gerador de diversas interações tão construtivas! Ou mesmo as conquistas tão meritórias dos que aprendiam sem ajuda.... mas cresciam em autoconfiança e coagem... mesmo que por vezes isso fosse conseguido com algumas quedas! Mas é curioso que é com orgulho e ternura que nos lembramos de como aprendemos a andar de bicicleta: "- Foi com o meu pai.." "aprendi sem ajudas"... Enfim... mesmo que não tenha um caráter obrigatória, não deixa de ser um acto institucionalizado e novamente para os lados escola.
    Enfim... vamos a uns banhos de mar ou a umas voltas de bicicleta...
    Um abraço
    Alexandre

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  2. Olá Alexandre, um grande abraço e boas férias.

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