AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 22 de abril de 2021

EM VEZ DE TODOS PROLETÁRIOS, TODOS PROPRIETÁRIOS

 

Os mais velhos e as pessoas da minha geração lembrar-se-ão que nos tempos imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 74 apareciam com frequência frases escritas nas paredes com afirmações de natureza mais ou menos humorística, de melhor pior gosto, mas que sempre despertavam alguma curiosidade. Uma dessas frases, se os 47 anos passados não me atraiçoam, era qualquer coisa como, “em vez de todos proletários, todos proprietários“. Este tipo de afirmações era habitualmente atribuído a um indefinido grupo, “os anarcas”, de que nunca tive conhecimento próximo.

Nos últimos dias instalou-se por aí uma polémica sobre quem a Associação 25 de Abril autoriza a desfilar na marcha comemorativa a realizar no próximo Domingo. Foi este episódio que acordou aquela memória do “em vez de todos proletários, todos proprietários.

Se bem repararmos, ainda hoje estão por cumprir muitas “promessas de Abril”, muitas das “portas que Abril abriu” continuam muito estreitas, o caminho é longo. No entanto, acho que relativamente ao “todos proprietários” a coisa parece estar bem de saúde, por assim dizer, Portugal é um país cheio de donos, de proprietários.

Vejamos alguns exemplos, por ordem de lembrança, não de importância.

Desde logo podemos referenciar a existência dos donos do 25 de Abril que decidem quem participa e quam não participa.

Não existe ninguém que publicamente opine em Portugal que não se sinta dono da verdade, qualquer que seja a matéria sobre a qual opine e, naturalmente, o seu grau de conhecimento sobre essa matéria.

No contexto político, os partidos com acesso regular ao poder, tornaram-se, por assim dizer, donos da democracia, definindo até um quadro legal que dificulta a existência de alternativas viáveis à partidocracia que instalaram.

Na economia, os donos dos mercados gerem os seus interesses de forma pouco regulada e sem pudor face a consequências que sobram para  ... os do costume.

Com a informação que é recolhida, de forma mais ou menos transparente sobre nós, há cada vez mais donos das nossas opções de consumo e das nossas escolhas.

É deprimente que na Assembleia da República os deputados, por nós eleitos, permitam que a sua liberdade de voto esteja na posse dos donos da democracia, os partidos, e não na sua consciência.

Finalmente e sem a pretensão de esgotar o leque de proprietários, os donos disto tudo, que vão emergindo e que, provavelmente, por isso mesmo, se vão aguentando.

Curiosamente, muitos de nós, naqueles dias de 74, ainda acreditámos que iríamos ser donos dos nossos destinos.

Chamam-lhe ingenuidade.

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