Ainda uma refleão sobre o Relatório do Conselho Nacional de Educação, “O Estado da Educação 2019”, agora a propósito da parte relativa à designada educação inclusiva. O texto apresentado assenta, naturalmente, no quadro estabelecido com a entrada em vigor do DL 54/218 e no seu impacto.
Da leitura realizada, umas notas a partir deste pequeno
excerto, “O referido diploma introduz mudanças a nível da terminologia, ao
abandonar algumas conceções restritas, assumindo a escola como um todo, o que
reflete a multiplicidade das suas dimensões e a interação entre as mesmas, e
pressupondo que qualquer aluno pode, ao longo do seu percurso escolar,
necessitar de medidas de apoio à aprendizagem (DGE, 2018).
A perspetiva de implementação de uma visão mais ampla dos
apoios a garantir pela escola inclusiva, obstou à aplicação do questionário às
«Necessidades Especiais de Educação», no ano 2018/2019, que, dessa forma,
deixou de fazer parte da lista de operações estatísticas oficiais registadas no
Sistema Estatístico Nacional.
Na sequência da entrada em vigor deste diploma, a DGEEC
aplicou, pela primeira vez, no ano letivo de 2019/2020, o «Questionário à
Educação Inclusiva», em escolas públicas da rede do Ministério da Educação, não
existindo ainda resultados. Assim, os dados que se apresentam são os reportados
até ao ano letivo de 2017/2018.”
Sublinho que promover alterações disposições legais quando
necessário é, por princípio, uma atitude ajustada que nem sempre se verifica em
políticas públicas. É também verdade que todos os processos de mudança estão
sujeitos a dúvidas e sobressaltos pelo que a gestão das políticas públicas deve
ter isso em consideração. Apesar da reafirmada inovação conceptual, da mudança
de paradigma, da revolução desencadeada que instalava definitivamente a "inclusão",
a forma como foi colocado em campo só podia criar dificuldades,
constrangimentos e dúvidas.
Como já escrevi, uma das mais significativas maiores
alterações apontadas ao 54/2018 e referida pelo CNE seria criar um novo
paradigma, acabar com a “categorização”. Não teríamos mais referências a
“CEIs”, a “NEEs” ou an“redutores”. No entanto, ouvir e ler regularmente que
alguém trabalha com 5 “adicionais” e dois “selectivas” ou com 6 “universais” ou
ainda “Olá, alguém tem adaptações curriculares não significativas da Disciplina
A e Disciplina B do x° ano?” ilustra o novo paradigma que eliminou a
categorização.
A burocratização “grelhadora” ou “matrizadora”e os múltiplos
e extensos relatórios continuam e desgastam em que o benefício pareça compensar
o custo. São excessivamente frequentes os pedidos de “alguém tem um relatório
sobre ...”, “alguém tem um programa de …”, “alguém tem uma ficha para ...”
Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes
formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria, antes dos
efeitos pesados da pandemia e neste ano lectivo, ilustram com muita clareza a
enorme sombra de dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes,
professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais
que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível.
Às dúvidas, muitas, surgem respostas que com frequência
começam por “eu acho …”, “nós decidimos …”, “na minha escola”, “no meu grupo
…”, etc.
Sim, também sei, há gente e escolas a realizar trabalhos
notáveis como sempre aconteceu.
Do meu ponto de vista, muitas vezes escrito e afirmado, a
inclusão em educação assenta na ideia de responder adequadamente à diversidade
dos alunos em contextos educativos que promovam a presença e participação dos
alunos nos espaços e actividades comuns, que promovam aprendizagens e
desenvolvam nos alunos sentimentos de pertença, fazer parte.
No entanto, responder adequadamente às necessidades
educativas decorrentes de diversidade cultural, de diversidade étnica ou às necessidades
educativas decorrentes de situações de deficiência de diferente natureza,
problemas de desenvolvimento ou de comportamento é algo bem diferente que,
parece claro, exige recursos, competências e abordagens diferenciadas.
Insistir numa retórica em torno da diversidade “nivelando”
as situações, corre o sério risco de legitimar muitíssimas circunstâncias em
que alunos com necessidades especiais, sim, com necessidades especiais, mas já
lá vamos, estão nas salas de ensino regular sem respostas adequadas, sem os
apoios educativos de que necessitam e não promovem tanto quanto seria desejável
e possível as suas capacidades e competências, mas … estão incluídos. Não, não
estão incluídos nem sequer integrados, estão “entregados” com as consequências
que professores e pais bem conhecem.
Este equívoco, por assim dizer, está associado à intenção de
“acabar” com a categorização. Já não trabalhamos com crianças e jovens com
necessidades educativas especiais, trabalhamos, lá está, com a diversidade. No
entanto, quando leio referências aos “universais”, aos “adicionais” ou aos
“selectivos” já não se trata de um processo de categorização pela dificuldade
identificada, mas realizado pela resposta desenhada. Isto sim, representa uma
mudança de paradigma e não me parece o melhor caminho.
A ver se nos entendemos em algo que me parece claro, identificar de forma competente a
natureza de eventuais dificuldades não é um processo de “rotulagem” ou de
“categorização”, só o será se daí decorrer discriminação negativa ou
“guetização” e não a adequação da resposta educativa aos problemas e
dificuldades identificadas.
Não temos forma de proporcionar respostas e apoios adequados
aos alunos, a todos os alunos, se não conseguirmos com base em processos de
avaliação competentes identificar da forma mais segura possível, muitas vezes
não é fácil, a natureza das suas dificuldades e, portanto, das suas necessidades.
De resto, (quase) tudo parece correr bem. Os testemunhos
conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo
pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de
dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes, professores do
ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão
genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível. Felizmente, em
algumas circunstâncias corre bem, mas….
Uma nota final para o interesse em conhecer os resultados do
«Questionário à Educação Inclusiva».
Amigo, "não temos forma de proporcionar respostas e apoios adequados aos alunos, a todos os alunos", enquanto a escola da aula perdurar. Há quase meio século a erradicamos. Desse modo, "proporcionamos resposta" a todos os alunos. A todos asseguramos o direito à educação. Há teoria que baste. Mas parece que o Mito de Sísifo e reinvenção da roda educacional se apropriou da prática.
ResponderEliminarAbraço fraterno!