AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 28 de novembro de 2020

LITERACIA MEDIÁTICA, UMA FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO

 No âmbito da comemoração da resolução do Conselho da Europa de 27 de Novembro de 2009 sobre Literacia Mediática o Público lançou uma iniciativa “Dia P da Literacia Mediática” a propósito da qual se encontrava ontem uma peça que merece leitura e profundamente actual.

O papel crítico da imprensa nos tempos de pandemia no sentido da informação e conhecimento. Este papel é tanto mais importante quanto se tem acentuado a explosão da utilização das redes sociais e a forma como são geridas e utilizadas.

Na verdade, os tempos vão negros. Esta negrura exige mais do que nunca uma imprensa autónoma e independente que na luta pela verdade combata … a imprensa e todos os que trabalham e se alimentam de “fake news”, “factos alternativos” ou da fabricação da “pós-verdade”. Há uns anos numa entrevista ao Público, Tom Rosenstiel, especialista em comunicação, afirmava que se o jornalismo, (os jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento, as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico". É este o risco quando falham os “guardiões na luta contra a verdade”.

A questão, do meu ponto de vista, é que terá de ser a imprensa a decidir e mobilizar-se de forma proactiva para cumprir o seu insubstituível papel.

Se analisarmos o cenário actual nesta matéria creio que boa parte da imprensa é, frequentemente complacente com as lideranças económicas e políticas mas também frequentemente esta complacência assenta no seu próprio alinhamento. Em qualquer dos casos um mau serviço prestado à cidadania.
Sublinho que entendo como legítima que qualquer órgão de comunicação social tenha um qualquer alinhamento, mas a linha editorial deve ser perfeitamente transparente o que nem sempre acontece. Independente do eventual alinhamento é essência que que se perceba a diferença entre facto (notícia) e opinião. Demasiado frequentemente, as opiniões são ”vendidas” como factos ou os factos são torturados e passam a notícia.

Entendo como deplorável que muitos profissionais da imprensa aceitem a forma como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” etc., etc. Desenvolvem assim uma espécie de surdez selectiva, só ouvem o que lhes convém, de mutismo selectivo, só falam do que lhes convém, de cognição selectiva, só conhecem o que lhes convém.

As mesmas figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses.

Algumas dessas figuras quando, quase sempre fruto do alpinismo partidário, ascendem a alguma forma de poder conseguem ainda ir mais longe nessa relação com a imprensa, se não lhes agrada calam-na ou atacam-na como também não é raro. É um método velho e intemporal.

Neste cenário, profundamente irritante e patético, sinto que nos insultam, que nos consideram destituídos, como se por não abordarem as diferentes matérias, elas não existam ou, noutros processos, que somos manipulados de forma nem sempre perceptível pela opacidade das situações.

É grave a existência de uma comunicação social, boa parte dela, passiva e resignada, que não confronte as figuras públicas e os demais poderes, não os denuncie e que acorre solícita quando essas figuras ou poderes entendem que têm algo a dizer ou a vender. Também lhes convém esta subserviência interesseira que alguns mantêm, também têm as suas agendas. Às vezes são recompensados.

Recordo que em 2017 o Sindicato dos Jornalistas apelou a que a classe "boicote" as conferências de imprensa ou declarações em que não sejam permitidas questões. É de num Congresso dos Jornalistas também foi aprovada por unanimidade uma decisão no mesmo sentido, as iniciativas com a proibição de perguntas não seriam noticiadas.

Como é evidente, esta decisão não teve qualquer consequência e recorrentemente assistimos a estas deploráveis situações.

Levada a sério e posta em prática poderia ser um forte contributo para combater o modo como muitas lideranças entendem o papel da imprensa, serve para divulgar apenas a mensagem que lhes interessa mostrando-se indisponíveis para responder a questões. A imprensa é apenas um veículo publicitário dos seus produtos ou “verdades”.

Para além desta atitude seria ainda desejável que quando colocam questões, os jornalistas façam as perguntas adequadas e não uma encenação de diálogo que mais não é que um monólogo a dois, ou seja, independentemente das perguntas, o inquirido fala do que quer sem que isso lhe seja cobrado. É importante o movimento de “fact check” que vai emergindo, mas é preciso mais.

Sei que não é fácil, todavia também tenho a convicção de que seria uma forma de proteger a própria imprensa e o seu papel insubstituível como um dos pilares das sociedades abertas e democráticas.

É, também, por questões desta natureza, que me parece imprescindível a abordagem das questões da cidadania e desenvolvimento nas escolas e para todos os alunos.

A literacia mediática é um bem de primeira necessidade e uma ferramenta de desenvolvimento das comunidades e da democracia.

Os tempos que vivemos bem o demonstram.

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