AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

LANÇAR O BARCO À AGUA

 

O DN de hoje dedica uma peça e referência em 1ª página à situação de degradação e falta de perspectiva de futuro do histórico Arsenal do Alfeite, aqui na margem certa do Tejo. Fruto de desinvestimento político e da incompetência nas decisões na gestão da empresa a situação é negativa e a sobrevivência parece em risco num país não pode prescindir da sua relação com mar onde se joga, também, o nosso futuro.

A leitura deixou-me preocupado, pelas consequências ao nível do emprego, por mais uma machadada na indústria naval portuguesa, mas, sobretudo, muito triste e com uma nostalgia que me levou a estas notas.

Numa das maiores rotundas da minha terra, sim também temos muitas rotundas, foi instalado há já alguns anos um conjunto escultórico de grandes dimensões dedicado à construção naval que, a par da indústria corticeira, sempre foi uma das actividades emblemáticas do concelho de Almada, destacando-se o extinto estaleiro da H. Parry & Son, em Cacilhas, o Arsenal do Alfeite e a mais recente Lisnave.

Na minha família, o meu pai como serralheiro, o meu sogro como caldeireiro naval e vários outros membros da família, para além de muita gente conhecida e amigos, uma boa parte já com a narrativa terminada, foram operários da construção naval pelo que aquele monumento que acho bonito e qualquer referência ao Arsenal acordam ressonâncias muito lá para trás no tempo.

Um dos seus elementos de maior dimensão representa um barco no plano, aprendi desde miúdo que o plano é o local seco, não uma doca, inclinado, onde os barcos são construídos ou reparados. Quando prontos, procedia-se ao seu lançamento à água, partiam-se as cordas que seguravam o barco no plano e este deslizava, ganhava velocidade e entrava na água levantando um enorme cachão e ficava a flutuar ganhando ou retomando a sua condição de barco.

Nos idos de 60 o meu pai tentava, por vezes, conseguia, com a conivência dos guardas que eu, miúdo, umas vezes só, outras com o meu primo, passasse o mítico Portão Verde do Arsenal do Alfeite para assistir ao lançamento de um barco à água.

Nem dormia, era algo que me impressionava e ainda hoje está bem vivo na memória, no lado das coisas mais bonitas que carrego na mochila já bem composta pela estrada andada.

Lamentavelmente, hoje estão a acabar com os lançamentos dos barcos à água na nossa costa.

Parece que toda a nossa terra, ela própria, se transformou num enorme barco, à deriva.

Deixem-nos continuar a lançar os barcos à água.

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