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sexta-feira, 2 de outubro de 2020

CRIANÇAS, JOVENS, LIVROS E LEITURA. UMA RELAÇÃO DISTANTE

 

Um trabalho realizado pela equipa do Plano Nacional de Leitura e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, “Práticas de Leitura dos Estudantes dos Ensinos Básico e Secundário” mostra dados preocupantes mas que não surpreendem, antes solicitam reflexão e acção. Aliás, mas preocupantes se tornam pois comparando com estudo semelhante realizado em 2007 os dados recolhidos em 2019 sugerem um retorcesso significativo.

O estudo envolveu 7469 alunos de 97 escolas e os indicadores agora divulgados respeitam ao 3º ciclo e ao secundário. Alguns dados.

De 2007 para 2019 a proporção de alunos que afirma ter menos de 20 livros em casa subiu de 14.5% para 27.3%.

A resposta “nunca ou raramente” “ver familiares a ler”, revelou 31.% em 2019 face a 15.3% e “ouvir familiares a falarem do que lêem” (de 33,6% para 50,5%).

Particularmente relevante é que 17,4% dos alunos do ensino básico e 26,2% do secundário assume no último ano antes do inquérito não leu “nenhum livro por prazer”. Em 2007 os valores eram 12,5% e 11,35.

Em primeiro lugar importa considerar na reflexão a transição do tempo usado por crianças e jovens nos dispositivos digitais nos quais também não sendo relevante a leitura de livros é significativo o tempo de utilização. No entanto e apesar desta fortíssima concorrência importa tentar reverter a situação.

Muitas vezes aqui tenho escrito sobre algo de indiscutível, a importância dos livros e dos hábitos de leitura na vida de crianças e adultos pelo que repesco umas notas recentes.

Marguerite Yourcenar em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.

São múltiplos os estudos que sublinham o impacto dos livros e da leitura no trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também são muitos trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral como, aliás, este trabalho evidencia.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.

Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas (escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos "tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, ainda antes do começo da escolaridade. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam, muitas vezes são, estimuladas e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos de leituras necessárias.

Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade do mundo que tornam acessível. No entanto, felizmente, realizam-se com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares, em iniciativas autárquicas ou conjuntas.

Temos que criar leitores, eles irão à procura dos livros.

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