No Público encontra-se uma
entrevista com o pediatra Hugo Henriques que merece reflexão e reconhecimento
pelo trabalho que desenvolve. Achei particularmente interessante a referência a
uma das questões que mais tenho abordado no trabalho com pais, a ideia dos “mimos
a mais”. Hugo Henriques considera que “Nenhuma criança se estraga por excesso de mimo; estraga-se muita gente por falta dele”.
Mas a verdade é que com demasiada
frequência se afirma que eventuais comportamentos inadequados de crianças e
adolescentes se devem a “mimos a mais”. Como também já referi em colaborações
com a imprensa, designadamente num texto para a Visão, tal entendimento “tira-me
do sério”, não existem "mimos a mais". Ponto.
Tal justificação costuma servir depois
para se afirmar a ideia de que as crianças hoje em dia têm muitos mimos que as
“estragam”, dito de outra maneira, têm “afecto” a mais ou ainda “gosta-se de
mais” das crianças. Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas
também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de
vista, num equívoco que a entrevista de Hugo Henriques ajuda a combater.
De uma forma geral, as crianças
não terão afecto, mimos, a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto” ou se quiserem, de "maus mimos". É essa
falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é
mau porque asfixia, é tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a
percepção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o
estabelecimento de uma relação saudável, protectora e promotora da autonomia
das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo. No
entanto, não é este tipo de reflexão que leva muitos de nós a falar dos “mimos
a mais”.
Insisto, as crianças não têm
elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos”
de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar
os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os
limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como
respirar e alimentar-se. Estes “nãos” e para utilizar a mesma terminologia, são outros mimos imprescindíveis na
educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.
As regras e os limites são bens
de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode
prescindir de regras e limites como também subscreve Hugo Henriques.
Ficando sem “nãos” muitas
crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos
ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria
vida. Não crescem saudavelmente.
Neste contexto, apoiar e ajudar
os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e
escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a
necessidade de definir regras e limites, de mostrar afecto sem que se sintam a
dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho,
para os pais e para os filhos.
De pequenino é que se constrói …
o destino.
"O poderio da criança precisa de ser enquadrado muito cedo, uma vez, que sem isso, ele tende a impor-se sem limites. A ausência de limites assemelha-se a maus tratos."
ResponderEliminarDelaroche
A questão dos limites e regras é uma questão dos adultos com efeitos nas crianças. Com costumo dizer, os miúdos nem sempre gostam do que precisam e nem sempre precisam do que gostam.
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