Sobre o anunciado regresso das crianças às creches algumas
notas.
Não sou um dos muitos milhares de especialistas em pneumologia,
virologia, infecciologia, saúde pública, gestão de crises, epidemiologia, etc.,
que emergiram em Portugal nos últimos meses. Sou alguém que desde sempre “mora”
no mundo da educação e que, naturalmente, está atento às suas problemáticas.
Sou um cidadão que procura estar informado e para o fazer
tenta a aceder a fontes que mereçam confiança e com estatuto confirmado, seja
na comunicação social, seja na comunicação em ciência.
Do que vou percebendo e em síntese parece claro que as
crianças estão menos sujeitas ao contágio deste novo Corona vírus, que quando
contagiadas a situação é menos grave que em adultos e, sobretudo, nos mais
velhos e que existem dúvidas sobre a sua capacidade de contágio razão ela qual
existem diferentes visões sobre o desconfinamento dos mais pequenos.
Compreendo também que a manutenção das crianças, agora nas
crianças em idade creche, tem implicações ao nível económico, rendimento das
famílias, e no mercado de trabalho o que justifica a pressão para o
desconfinamento dos mais novos e, portanto, dos pais.
Compreendo que a situação de confinamento implica riscos no
nível de bem-estar psicológico de todas as pessoas incluindo os mais pequenos e
que quanto mais prolongada for mais se avolumam os riscos.
Também tenho a convicção que a creche não é uma estrutura de
“guarda” e “acolhimento” de crianças enquanto os pais trabalham. A creche é,
deve ser, um espaço carregado de intencionalidade educativa em que se
proporcionam às crianças experiências muito importantes e fortemente
contributivas para o desenvolvimento das crianças.
Do que me é dado perceber as orientações da DGS para o
acolhimento das crianças nas creches levantam-me dúvidas.
Primeiro da sua exequibilidade em muitas instituições
considerando espaços, equipamentos e recursos humanos para além da eficiência no
controlo do risco embora saiba que não existe risco zero em qualquer actividade
humana.
Em segundo lugar, porque o seu cumprimento, a conseguir-se
do que duvido, parece-me comprometer fortemente a intencionalidade educativa
que deve existir nas creches, brincar, trocar, partilhar, interagir, realizar
tarefas com e não ao lado, etc. Acresce que o nível de desenvolvimento e
autonomia das crianças não parece compatível com muitos aspectos das orientações.
São também desta natureza as preocupações dos profissionais que se vão
escutando ou lendo.
Acresce que o contacto físico está muito presente e é uma
ferramenta imprescindível de trabalho e relação. A festa que acalma, o colo que
tranquiliza, o toque, o abraço que “cura” magicamente a mazela da queda na brincadeira,
etc. Como trabalhar e comunicar com crianças até aos três anos com base no
distanciamento físico e com máscara? Não me parece fácil.
Se me disserem que não é possível manter por muito mais
tempo as crianças e os pais em casa, que os problemas de natureza económica
para famílias e comunidades são insustentáveis, que os riscos psicológicos do confinamento são muitos, que é importante que
regressemos a alguma “normalidade”, que os riscos estão tão controlados quanto
possível, posso eventualmente discordar ou ter dúvidas, mas compreendo.
Mas não me digam que as crianças vão regressar à creche,
esta creche que parece estar a ser desenhada, é um outro espaço de confinamento e em que o confinamento dificilmente será conseguido. É o que não queremos que a creche seja, um espaço para as crianças estarem “guardadas”
enquanto os pais voltam ao trabalho pois é preciso que o façam.
Sim pode ser preciso que assim seja, mas sejamos claros, por favor. A clareza é amiga da confiança e, mais do que nunca, precisamos de confiança.
A ver vamos como tudo se desenrola.
Concordo. O texto vem na senda do apontamento de Ricardo Araújo Pereira, ontem, dia 10 de maio, no seu programa.
ResponderEliminarNão vi.
ResponderEliminarTemos somente que assumir e defender com responsabilidade, perante tudo e todos, a nossa missão na educação de infância. A creche é e sempre será um contexto educativo, onde juntos podemos pensar nas estratégias para minimizar os riscos, mas em momento algum negar este espaço, por excelência, de relações afetivas.
ResponderEliminarOlá Juja, é isso que espero e desejo que aconteça, mas dúvidas são muitas.
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