AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

domingo, 9 de fevereiro de 2020

GRUPOS TRANSITÓRIOS DE HETEROGENEIDADE MITIGADA

Como é conhecido está em desenvolvimento o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar iniciado em 2016 no âmbito do qual 663 agrupamentos definiram planos de redução do insucesso.
Foi agora divulgado o relatório “Acção Estratégica das 50 escolas que mais diminuíram o insucesso escolar no ensino básico” elaborado pela equipa do Programa.
Como seria de esperar de um programa de promoção do sucesso escolar o insucesso está em queda nos agrupamentos envolvidos e este relatório analisa as 50 escolas com melhores resultados.
Antes de mais registo esse abaixamento do insucesso.
Por outro lado, acho que o relatório merece uma leitura atenta por várias razões.
Um desses aspectos e que o Público destaca é a análise do facto de que a maioria das escolas que mais reduziram o insucesso recorre à criação de Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada o que parecendo significar “grupos de nível” não significa, é mesmo um Grupo Transitório de Heterogeneidade Mitigada, a sério. 
Aliás, acho até interessante a defesa que já vi fazer deste novo enunciado assentando num estranho entendimento de que a “heterogeneidade mitigada” promove e defende a heterogeneidade natural e óbvia e que é uma ferramenta de educação inclusiva.  
Por outro lado, o recurso a esta “modalidade” parece ser apresentado como variável explicativa para o maior sucesso o que não consegui encontrar no Relatório.
De uma forma breve, temos que escolas que mais reduziram o insucesso foram também as que entre outras medidas mais recorreram aos Grupos Transitórios de Heterogeneidade Mitigada. Isto parece-me claro, já não me parece que o que consta no relatório sustente a existência de uma relação de causa efeito entre uma coisa e outra.
Aliás, creio até ser bastante improvável que a variável “homogeneidade” de um grupo de alunos (ainda que mitigada) possa ser a “explicação” dos bons resultados pois é algo que não existe pois não se conhecem dois alunos iguais.
Na verdade, se a homogeneidade fosse uma ferramenta de sucesso, todas as turmas que existem em muitas escolas constituídas por alunos “descamisados”, maus alunos, repetentes, mal comportados, desmotivados, etc., teriam de imediato sucesso, seriam homogéneas. Eu próprio, entre o 1º ano do liceu e o 7º ano, frequentei quase sempre turmas de "heterogeneidade mitigada", também conhecidas por "turmas de repetentes e indisciplinados" porque ainda ainda não tinha sido inventada a inovação. Já agora, fazia parte daquelas turmas não por insucesso escolar, cumpria os também ainda não inventados "serviços mínimos" mas era excelente na indisciplina. Agora não me orgulho ... na altura dava-me gozo, desculpem "setôres".
A verdade é que os alunos não têm sucesso significativo só por estar juntos. Esta medida já existiu em tempos com as turmas de nível ou com outras designações e quem conhece a realidade sabe que os resultados dos alunos "maus" continuaram, genericamente maus, o povo diz junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior do que eles.
O que fomenta o sucesso não é estar ao lado de alunos menos bons.
O que fomenta o sucesso é mais e melhor apoio a alunos e a professores.
O que fomenta o sucesso é um grupo de alunos com uma dimensão razoável que permita mais e melhor diferenciação da intervenção em sala de aula tal como a evidência sustenta.
O que fomenta o sucesso é o recurso a dispositivos como o "par pedagógico" ou outras medidas da mesma natureza que, aliás, constam do elenco de metodologias no Programa e que algumas escolas acederam a recursos que lhes permitem ter mais docentes,
Generalizem medidas desta natureza e teremos melhor trabalho de alunos e professores.
Não é sustentável afirmar que a variável que contribuiu para os bons resultados atingidos é a homogeneidade (mitigada ainda assim) das turmas.
É ainda perigoso que esta leitura possa legitimar decisões na constituição das turmas, guetizando alunos sem resultados se as outras variáveis não forem consideradas. Como muitas vezes não são. Aliás a aia de comentários à notícia no Público é elucidativa.
Quanto ao impacto, parece óbvio que a diversidade é sempre preferível a uma falsa homogeneidade. As atitudes de discriminação negativa não apresentam nenhuma espécie de vantagem pessoal ou social, guetizam, estigmatizam e promovem quer nos bons, quer nos maus, uma relação desconfiada e tensa facilitadora de problemas.
As dificuldades escolares gerem-se com apoios e recursos que terão certamente de ser diferenciados mas não podem, não devem, implicar a criação de “guetos” para os “maus” ou de "condomínios" para os "bons".
Fico satisfeito com a melhoria de resultados, mas incomodam-me algumas leituras e a agenda que carregam.
Uma nota final.
Na Conclusão do Relatório na pg 41 enunciam-se algumas fragilidades. Com enorme perplexidade li que uma das fragilidades será:
Constrangimentos decorrentes da heterogeneidade do público escolar decorrente do alargamento da escolaridade obrigatória para 18 anos e da aplicação de medidas promotoras de equidade e inclusão e educativas;
De facto, ter os alunos na escola até aos 18 anos, promover equidade e igualdade de oportunidades e uma educação escolar que acomode a diversidade dos alunos só atrapalha.
Mas é mesmo isto que se diz. É mau, muito mau.

1 comentário:

  1. Óptima reflexão. Obrigado pela partilha.
    O que se poderá esperar de um relatório de algo, efetuado pelo próprio? Só mesmo um auto elogio. Isto já para não falar das fragilidades do sucesso escolar apresentado, infelizmente.
    Rui Ferreira

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