AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ÉS O QUE TENS. Mesmo que seja a crédito


De acordo com dados do Banco de Portugal em 2019 voltou a subir o crédito ao consumo que ultrapassou o valor máximo registado em 2008 antes da recente crise.
Por outro lado, a DECO alerta para a necessidade de conter os níveis de crédito ao consumo, em 2019 recebeu 2787 pedidos de ajuda de famílias que não conseguiam pagar as contas e créditos no fim do mês.
Estas situações devastadoras para milhares de agregados familiares, decorrem também de constrangimentos como desemprego, precariedade ou baixos salários e constituem, um dos sinais dos tempos, quer no que respeita a valores, quer no que respeita a dificuldades económicas.
Segundo dados já divulgados em anos anteriores, famílias em dificuldade que recorrem à DECO evidenciam frequentemente uma taxa de esforço cerca dos 90%, ou seja, ao receber 1000 €, 900 estão destinados ao pagamento de créditos e em média têm que gerir cerca de 8 créditos, um assombro. Como é óbvio, trata-se duma situação insustentável e mesmo com taxas de esforço mais baixas basta uma pequena perturbação ou algo de imprevisto, desemprego por exemplo, para que se rompa o equilíbrio e as famílias entrem em incumprimento, com as previsíveis e complicadas consequências. A DECO recomenda 40% como a taxa de esforço aceitável e prudente.
Parece-me claro que este cenário não decorre, como muitas vezes ouvimos, de questões económicas, embora na maioria das vezes sejam o gatilho que a despoleta. Radica, do meu ponto de vista, nos modelos económicos e sistema de valores que nos envolvem.
Como já tenho referido no Atenta Inquietude, instalou-se a ideia de que "és o que tens". Bem podemos afirmar que cada um de nós não olha assim para a vida mas na verdade é difícil resistir à pressão para o consumo e para a ostentação de alguns bens ou estilos de vida que "atestem" que "somos" gente. É o crédito da casa, do carro, da mobília, das férias, do casamento do filho, do plasma, etc. etc. Tudo bens a que obrigatoriamente temos de aceder como prova de que somos gente, embora se verifique ainda o recurso ao crédito até para tratar questões de saúde.
Por outro lado, as instituições financeiras que concedem crédito estiveram durante demasiado tempo mais atentas aos seus próprios interesses que aos riscos das pessoas que a elas recorrem. Actualmente, revelam-se bastante mais selectivas e cautelosas devido à subida enorme do valor do crédito malparado e dos seus próprios custos de financiamento.
Este tipo de problemas é apenas mais um indicador de como se torna necessário repensar valores e modelos de organização e desenvolvimento.
Esta mudança substantiva só pode acontecer através da educação. Eu sei que não é fácil e pode parecer ingénuo, mas se não falarmos e não nos inquietarmos com isto, então é que nada mudará. Nunca.

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