AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

EDUCAÇÃO, PROFESSORES E CONFLITUALIDADE


O mundo da educação é um universo particularmente exposto à emergência de conflitos. Parte desta conflitualidade resulta das suas especificidades e desafios diários nas escolas e salas de aulas mas também das opções e mudanças em matéria de políticas públicas, da profissionalidade, da concertação das diferenças dos papéis de múltiplos actores, das agendas individuais ou institucionais, de variáveis de contexto, etc.
Por outro lado, também me parece que uma parte dessa conflitualidade é potencialmente uma ferramenta de desenvolvimento e mudança, emerge da reflexão, da troca, da discussão e desse ponto de vista poderá ter reflexos positivos ao promover mudança no sentido pensado e escolhido.
No entanto e em termos genéricos, o nível de crispação e conflito que nos últimos anos se tem vindo a instalar nas comunidades escolares merece uma séria reflexão. Algumas notas necessariamente breves.
Como não pode deixar de ser uma das áreas mais sensível ao conflito e crispação as relações entre alunos, encarregados de educação, professores, técnicos ou auxiliares. Frequentemente aqui tenho referido esta questão a propósito dos múltiplos episódios de agressões a professores e auxiliares.
Do meu ponto de vista a conflitualidade também radica em aspectos nem sempre considerados, a imagem social dos professores e a sua cultura profissional.
A imagem social dos professores tem vindo a sofrer uma erosão significativa, alguns estudos e a chamada "opinião pública" reflectem-no embora seja interessante registar que os professores continuam a constituir uma das classes profissionais que merece mais confiança expressa em estudos realizados regularmente. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com a abordagem neste espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, uma boa parte dos discursos dos líderes sindicais e os discursos ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo para que, em termos sociais, a imagem dos professores seja afectada. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minimizam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Numa outra linha de abordagem e gostando de estar creio que este clima de crispação e conflitualidade também está associado ao facto de que a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por algum individualismo, expresso em termos "individuais" ou de pequenos grupos mas, de qualquer forma minimizando a coesão. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Acresce ainda a conflitualidade emergente entre os próprios professores resultantes, por exemplo, de políticas públicas inadequadas em termos de questões profissionais (mecanismos de progressão e estatuto salarial, grupos disciplinares, funções desempenhadas na escola/agrupamento, etc) ou agendas decorrentes da partidocracia. São múltiplos os discursos tensos, para ser simpático, entre os fiéis devotos da "revolução" em curso, das poções mágicas, da "inovação" e os que levantam dúvidas ou questionam opções. Dir-me-ão que tudo isto é próprio de sociedades abertas e, como se costuma a afirmar, é "a democracia a funcionar". Será mesmo?
Talvez tudo isto também esteja associado ao clima de desencanto e cansaço que alimenta orisco de "burnout" que ameaça uma classe envelhecida que troca entre si a pergunta "quanto tempo é que te falta?"
As redes sociais e o ambiente em muitas escolas mostram esta crispação que é frequente e, por vezes, intensa. Embora se perceba este cenário também fragiliza os profesores enquanto classe profissional.cia e intensidade. 
Finalizando, independentemente de outras medidas certamente necessárias, urge caminhar no sentido de reconstruir os discursos sociais sobre os professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de cooperação e de apoio aos professores para que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir.
Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escola pais, professores e alunos.
Creio que é urgente, é para hoje.

1 comentário:

  1. Muito Bem Professor
    Atento a situação que ocorre nas nossas escolas
    Os pais e a comunidade está do nosso lado " (...) os professores continuam a constituir uma das classes profissionais que merece a mais confiança expressa em estudos realizados regularmente.(...)
    E eu noto isso no carinho que encontro dos encarregados de educação dos meus alunos e na comunidade educativa de técnicos, auxiliares e população em geral
    Temos que acreditar em nós e nos valorizarmos por aquilo que fazemos
    Obrigada Professor pelo seu artigo e por todos os outros que me encoraja
    Ana Rita Costa

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