AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

DA PROJECTITE

Continuo a sentir-me surpreendido com a diversidade de planos, projectos, programas, experiências inovadoras, novas metodologias, etc. que vão chegando às escolas incluindo escolas onde, por exemplo, faltam recursos humanos ou equipamentos e espaços qualificados e funcionais, coisas sem importância, evidentemente.  Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas ou ao sabor de modismos, agendas ou de um mercado emergente as iniciativas são múltiplas. Retomo algumas notas.
Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, e nem sempre conseguem envolver como seria desejável a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado. Aliás, algumas situações que vou contactando ou tomando conhecimento no âmbito dos Planos Integrados e Inovadores de Combate ao Insucesso Educativo são bons exemplos. Planos elaborados por estruturas/entidades fora das escolas em modo "copy, paste" que com a pressa são apresentados trazendo referências geográficas "enganadas". Como é óbvio todos assentam numa percepção clara das necessidades dos contextos a que se destinam. É mau, muito mau.
Também não raramente estas experiências, projectos, morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores  ou os boletins municipais e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem mais impacto significativo reconhecido em avaliação séria.
Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.
Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos elevados com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.
Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que envolvem quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas. 
Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados/diferenciados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.
Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados sobre sinais que podem indiciar episódios de bullying, seria muito importante para além do mais auxiliares poderiam fazer relativamente a outras matérias.
Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.
Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.
Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.
São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.
Ainda este propósito, ficar embaraçado, uma experiência pessoal.
Há largos anos estava no Ensino Básico e foi-me pedido que apresentasse numa escola do 1º ciclo um Projecto em desenvolvimento pela Direcção-Geral destinado ao ensino de português a crianças de famílias oriundas dos PALOP que aprendiam em português na escola e falavam crioulo em casa. Apresentei o Projecto da melhor forma que consegui aos professores da escola e no fim alguém me disse de uma forma muito simpática, “Colega, o Projecto é muito interessante, mas sabe, já temos 24 Projectos na escola, não podemos fazer mais.”
Na verdade, a Projectite, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que também conheço.

1 comentário:

  1. É, meu amigo. Rubem Alves falava-nos de "escolas árvores de natal", enfeitadas de projetos, mas sem projeto.
    Abraço!

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