AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

A INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ DOZE ANOS DEPOIS DO REFERENDO


Foi conhecido o Relatório dos Registos das Interrupções de Gravidez produzido pela Direcção-Geral da Saúde com dados ainda provisórios de 2018.
Mantém-se a diminuição consistente que se verifica desde 2011 de situações de interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas por opção da mulher. Em 2018, considerando apenas a interrupção de gravidez por vontade da mulher o decréscimo foi 4% relativamente a 2017.
Portugal é um dos países europeus com menos abortos por cada mil nascimentos vivos o que sustenta o sucesso da lei sobre Interrupção Voluntária da Gravidez aprovada na sequência do referendo realizado há 10 anos.
É ainda de salientar a trajectória também decrescente do número de interrupções de gravidez abaixo dos 20 anos e na adolescência, o facto de desde 2012 e até, pelo menos, 2017 não se ter registado nenhuma morte materna por este motivo, o aumento do uso de dispositivos de contracepção e a maioria das mulheres que realizaram IVG fizeram-na por uma única vez .
Este cenário não confirmou as teses catastrofistas que antecipavam o exponencial crescimento de situações. De facto, com a aprovação da lei resultante do referendo de 2007 lei não se abriu a anunciada “Caixa de Pandora”, não subiram os casos de IVG, antes pelo contrário, desceram e baixaram significativamente os problemas decorrentes deste processo existentes com a situação anterior, designadamente as graves ou fatais complicações de saúde.
Apesar da forma enviesada como se fez boa parte da discussão, pois, tal como se passa actualmente com a eutanásia, a questão não deve ser sobre quem é contra ou favor do aborto (ou da eutanásia). Os termos da discussão deveriam sempre ser colocados na posição contra ou a favor da descriminalização da mulher que procede à IVG nas condições reguladas e definidas legalmente.
Considerando valores individuais posso recorrer, ou não, a este processo. No entanto, creio que não devo impedir que alguém, insisto, dentro das condições definidas e com a maior regulação o possa escolher. Isto não tem nada a ver com “ser contra ou a favor do aborto”.
Apesar do percurso positivo, do meu ponto de vista, importa não esquecer que muitas das situações que levam à interrupção voluntária da gravidez, situação que, creio, ninguém deseja, decorrem de gravidezes indesejadas, mães adolescentes, por exemplo, felizmente em abaixamento, ou de questões que se prendem com as condições de vida que dificultam projectos de maternidade.
Assim sendo, mais do que a insistência em teses assentes em juízos morais, legítimos, mas, frequentemente, inconsequentes que se continuam a ouvir e estão presentes em opções partidárias actuais, parece desejável que se considerem duas vias de análise e desenvolvimento de políticas nesta matéria, a maternidade e a família.
Em primeiro lugar sublinhar a importância da informação e acção educativa preventiva de gravidezes indesejadas, sobretudo entre as mulheres muito novas. Sobre esta questão veja-se a polémica de há algum tempo a propósito do Referencial da Educação para a Saúde a utilizar nas escolas com a retoma de discursos e argumentação absolutamente deploráveis ainda que possam ser legítimos os pontos de vista que defendem.
Por outro lado, é imprescindível considerar a posição da mulher e as dificuldades das famílias nas nossas comunidades. Os salários baixos são uma das razões que “obrigam” a que as famílias revejam em baixa os projectos relativos a filhos. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que, naturalmente, é igualmente um obstáculo para projectos de vida que envolvam filhos e que, por vezes estão dramaticamente na base do recurso à interrupção voluntária da gravidez.
Não pode ainda esquecer-se a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Como é óbvio este cenário não será alheio a muitas decisões de interromper uma gravidez.
Tudo isto torna necessária e urgente a definição de verdadeiras políticas de apoio à família e à maternidade o que seguramente contribuiria para continuar a baixar o recurso a uma situação, que, insisto, a esmagadora maioria das mulheres que a ela recorrem não desejam, mas a isso, por várias razões, se sentem "obrigadas".

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