AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 5 de novembro de 2019

MANHOSICES. AINDA A PROPÓSITO DA NÃO RETENÇÃO NO BÁSICO


Sem surpresa, mas apesar de tudo com alguma inquietação vi a manchete de 1ª página do CM de ontem, “Lei antichumbo poupa 5000 euros por alunos (e em letras mais pequenas) – Professores indignados – Está em marcha plano que acaba com reprovações e enche cofres do Estado”.
Não espero muito do CM, mas este modelo de imprensa é “manhoso”. Podia ser ignorância ou ligeireza, mas não, trata-se das agendas que fazem parte da equação da educação em Portugal.
Em primeiro lugar e como já escrevi várias vezes, entendo que a intenção do governo de “criar um plano de não retenção no ensino básico” assenta num pressuposto correcto e verifica-se em vários países. Parecer-me-ia muito estranho aceitar e concordar que conste das políticas públicas em educação manter ou alimentar níveis ainda elevados de retenção de alunos nos primeiros anos de escolaridade apesar dos ganhos realizados nos últimos anos.
No entanto, a partir deste pressuposto também escrevi que não pode existir a “tentação de promover “sucesso” que não corresponda efectivamente a aprendizagens realizadas” ou a "melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste", recordo  algumas situações no âmbito do Programa Novas Oportunidades. Nenhuma dúvida sobre isto.
Por outro lado, importa recordar e sublinhar que o nível de retenção em Portugal tem custo elevados, pessoais (projecto de vida comprometido), evidentemente, sociais (níveis de desenvolvimento e qualificação) e também económicos, sim, económicos.
Lembro que um Relatório Técnico do Conselho Nacional de Educação sobre a retenção em Portugal divulgado em Fevereiro de 2015, o CNE era presidido por David Justino, estimou o custo de 6500€ por cada aluno que “chumba”, (na altura tínhamos um nível de retenção superior ao actual em que se considera 50000 alunos retidos no básico).
Em 2017, ainda com David Justino, o CNE divulgou o Relatório “Estado da Educação, 2017” em que indicadores relativos ao insucesso foram analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do Projecto aQeduto que incluía uma vertente económica, sim, a retenção tem custos brutais, insisto. Neste relatório e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o impacto económico da retenção era estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada ano.
Como também já aqui referi, adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas,(ver quadro abaixo) a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.


Estes dados são importantes, mas a sua substância não é nova, chumbar não melhora a aprendizagem. 
Recordo, aliás, que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam …, mas não melhoram.
Nesta perspectiva, a forma como CM trata este assunto e constrói a 1ª página parece-me insustentável.
Primeiro, é conhecida a intenção de promover um plano de não retenção no básico. Como já disse, compreendo a ideia, mas importa assegurar em que se traduz. No entanto, não conheço nenhum projecto de lei que proíba os “chumbos”, algo que seria do domínio da delinquência política.
Segundo, o custo elevadíssimo dos chumbos é um sorvedouro ineficiente de dinheiros públicos (apenas mais um) e com impactos pessoais e sociais graves. Se a retenção baixar através de medidas de apoio adequadas a escolas, professores e alunos, também o impacto económico desta questão baixará, mas não me parece, ainda assim, que “possa encher os cofres do estado”.
Sou crítico de muitas decisões em matéria de políticas públicas de educação realizadas nas últimas décadas e olho para este universo sem nenhuma agenda que não seja o que entendo como o que melhor serve alunos, pais, professores e comunidade, isto é, uma escola pública de qualidade.
O modo como estas questões são tratadas demasiado frequentemente pela comunicação social faz parte do problema.

Sem comentários:

Enviar um comentário