AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O INFERNO NA ESCOLA, O DIREITO AO OPTIMISMO


Nos últimos tempos a educação, a escola, tem sido fonte permanente de referências na imprensa na sua maioria de natureza negativa.
Apesar de como aqui tantas vezes tenho referido considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno.
Apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores e alunos é bem-sucedida na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores e alunos, quase todos, fazem a sua parte.
Reconheço que o universo da educação tem vindo durante décadas a funcionar de forma associada à deriva política em que os caminhos da educação se transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno privilegiado do funcionamento da partidocracia ao sabor de agendas que, frequentemente, não coincidem com o bem-estar comum e operadas por equipas que, nas mais das vezes, produzem catadupas de legislação e mudanças sucessivas, sem avaliação que as sustente e sem coerência ou competência, a que os fortíssimos interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.
Neste cenário têm-se desenvolvido políticas públicas que não cumprem de forma suficiente o direito constitucional de uma educação de qualidade para todos os indivíduos em idade escolar com consequências devastadoras no clima e funcionamento das escolas.
Sabemos e compreendemos a necessidade de combater o desperdício e conter gastos.
Por outro lado, boa parte dos discursos produzidos pelos representantes dos professores ou dos funcionários, são quase que exclusivamente centrados numa visão corporativa de questões profissionais, o que não se estranha, naturalmente, é a sua vocação. No entanto, esses discursos surgem, excessivas vezes, capturados pelos interesses das agendas dos interesses da partidocracia subjacente, ficando pouco clara a preocupação com a qualidade dos processos educativos.
Num país em que a literacia e a maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos representativos dos pais pelo que as minorias mais activas assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.
Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.
É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve e eficaz, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e responsabilizadas perante as comunidades locais.
No entanto, não posso deixar de registar uma palavra de optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores e alunos têm conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de resultados e competências que os estudos internacionais sublinham.
O meu filho fez toda a formação escolar, do pré-escolar ao superior, no sistema público, com os sobressaltos próprios destes processos, mas também com o sucesso que o trabalho dele e dos professores mereceu.
Quero acreditar que os meus netos, o mais velho no primeiro ano de uma escola pública, possam seguir o mesmo caminho, frequentar uma escola pública em que confiamos e acreditamos que o leve ao futuro.

Nota - Hoje de manhã passei a pé, com tempo para olhar e pensar, junto da Escola onde fiz a primária, como se chamava. Apesar de lá me ter sentido bem naqueles tempos e porventura a escola ser mais tranquila, definitivamente, eu não quero "aquela" escola para os meus netos. É verdade que a escola de hoje recuperou a quase esquecida radição portuguesa do Halloween e hoje foi simpático ver ao ir levar o meu neto inúmeras crianças com as máscaras mais horríveis, com camisolas tingidas de "sangue" a passear por entre esqueletos e zombies. Anda assim, prefiro a escola de hoje

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