AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

SEM AÇÚCAR, COM AFECTO


Uma notícia do Público divulga um estudo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto segundo o qual os níveis de açúcar consumidos em Portugal, designadamente por crianças e adolescentes, estão significativamente acima dos valores recomendados pela OMS.
Este excesso de consumo, que se verifica também com o sal, tem consequências importantes em termos de saúde, desenvolvimento e bem-estar.
Talvez fosse interessante reajustar a dieta dos mais novos.
Julgo que uma hipótese de a reequilibrar seria, para além da diminuição necessário do sal e do açúcar consumido, o reforço do afecto.
Talvez não seja clara a minha ideia e provoque de imediato alguma reserva. Nestas coisas dos “afectos” e dos miúdos e do seu estar é muito frequente ouvir que os seus comportamentos inadequados se devem a “mimos a mais”. Lamento, mas como tantas vezes digo não existe "mimos a mais", existe “mau mimo”.
Diz-se como justificação que as crianças hoje em dia têm muitos mimos que as “estragam”, dito de outra maneira, têm “afecto” a mais ou ainda “gosta-se de mais” das crianças. Estes discursos, que alguns profissionais destas áreas também subscrevem, merecem-me alguma reserva pois assentam, do meu ponto de vista, num equívoco.
De uma forma geral, as crianças não terão afecto (mimo) a mais, poderão, isso sim, ser objecto de “mau afecto”. É essa falta de qualidade que lhes poderá ser prejudicial. Não é mau por ser muito, é mau porque asfixia, é tóxico, não deixa que os miúdos cresçam, distorce a percepção da criança de si própria e do seu funcionamento, não permite o estabelecimento de uma relação saudável, protectora e promotora da autonomia das crianças, uma condição fundamental para o seu desenvolvimento positivo. No entanto, não é este tipo de reflexão que leva muitos de nós a falar dos “mimos a mais”.
Insisto, as crianças não têm elogios ou mimos a mais. O que se passa mais frequentemente é que recebem “nãos” de menos. Na verdade, muitos adultos, pais, sendo quase sempre capazes de dar os mimos, mostram-se muitas vezes incapazes de dar os “nãos”, de estabelecer os limites e as regras que, como sempre digo, são tão necessárias às crianças como respirar e alimentar-se. Estes “nãos” são outros mimos imprescindíveis na educação de crianças e adolescentes nos seus diferentes contextos de vida.
As regras e os limites são bens de primeira necessidade. Tal como com os afectos, nenhuma dieta educativa pode prescindir de regras e limites.
Ficando sem “nãos” muitas crianças, a coberto da ideia dos “mimos a mais”, transformam-se em pequenos ditadores que infernizam a vida de toda a gente, a começar pela sua própria vida. Não crescem saudavelmente.
Neste contexto, apoiar e ajudar os pais a desenvolverem de forma confiante comportamentos de disponibilidade e escuta de crianças e adolescentes, a assumirem com firmeza e sem culpa a necessidade de definir regras e limites, de mostrar afecto sem que se sintam a dar “mimos” a mais que “estragam” os filhos, só pode resultar em bom trabalho, para os pais e para os filhos.
De pequenino é que se constrói … o destino. Assim, talvez uma alteração na dieta dos afectos sobretudo na qualidade fosse positivo, sem açúcar, com afecto, por assim dizer.

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