AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

AINDA OS MANUAIS ESCOLARES


Como parece ser uma característica inalterável do nosso sistema educativo vivemos permanentemente como um ou vários problemas em agenda, tranquilidade e estabilidade serão algo de inacessível.
Por estas dias depois do “tal despacho” que desencadeou muitas, algumas bem deploráveis, intervenções nos diferentes suportes de comunicação, agora retoma-se a questão dos manuais escolares, reutilizar ou não, manuais entregues em más condições, atraso no acesso aos vouchers, sustentabilidade económica da gratuitidade, etc.
Permitam-me retomar algumas notas organizadas em quatro pontos essenciais e sem hierarquizar.
Em primeiro lugar sublinho a ideia da gratuitidade dos manuais durante a escolaridade obrigatória que é constitucionalmente gratuita.
Em segundo lugar defendo o princípio genérico da reutilização por razões de sustentabilidade e custos.
Em terceiro lugar tenho considerado que o nosso modelo de trabalho, apesar das excepções e das mudanças, ainda se pode considera excessivamente “manualizado” ou seja, assenta talvez demais em práticas pedagógicas pouco diferenciadas muito decorrentes de conteúdos curriculares eles próprios e apesar de algumas mudanças positivas geridos de forma mais prescritiva e normalizada. Seria desejável atenuar a fórmula predominante, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que também os pais tendem a considerar muito importante porque tem tudo o que professor ensina. Não esqueço no entanto que variáveis como a natureza e conteúdos curriculares, o número de alunos por turma ou ainda a cultura pedagógica de décadas influenciam este cenário.
Estou convicto de que sem aligeirar o peso do manual no trabalho em sala de aula, os níveis de diferenciação necessários como forma mais robusta de resposta à diversidade dos alunos ficam comprometidos.
No entanto e apesar de continuar a assumir estes princípios julgo que a particularidade do 1º ciclo merece uma reflexão designadamente no caso da reutilização.
Há algum tempo tivemos referências na imprensa a expedientes usados pelos pais para “apagar” o rasto que os seus filhos deixaram nos manuais, a decisão da direcção do agrupamento de S. Julião da Barra de não pedir a devolução dos manuais aos alunos do 1º ciclo e o ME a “obrigar” à sua recolha, o Tribunal de Contas a entender que a não reutilização compromete as contas, sempre as contas da educação que insistem em não dar certo, etc.
A entrada na escola, no 1º ciclo, será dos poucos processos que quando correm mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a coisa vá correr melhor.
Torna-se, pois, essencial que este processo de entrada na escola seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais, indispensáveis à aprendizagem bem-sucedida.
É fundamental não esquecer que os miúdos à entrada na escola não estão todos nas mesmas condições pelas mais variadas razões, ambiente e experiências familiares, percurso anterior, características individuais, etc. o que exige desde o início uma atenção diferenciada que combata a cultura de que devem ser todos tratados da mesma maneira que alguma opinião publicada e ignorante defende.
Antes de, com voluntarismo e empenho, se tentar ensinar aos miúdos as coisas da escola é preciso, como sempre afirmo, dar tempo, oportunidade e espaço para que aprendam a escola. Depois de aprenderem a escola estarão mais disponíveis para então aprender as coisas da escola.
É neste contexto que julgo que os manuais deveriam ficar com os alunos, não seriam devolvidos, podendo continuando a sua produção a permitir que sejam usados como suporte do seu trabalho sem que este entendimento, comprometa o que disse acima sobre o excesso de peso pedagógico atribuído ao manual. Acresce ainda que apesar de alguma “disciplinarização” dos conteúdos curriculares, incluindo o recurso a manuais para cada conteúdo, e a lógica de ciclo contida na LBSE, a continuidade da relação dos alunos em diferentes patamares de aprendizagem e desempenho ao longo do ciclo com o trabalho desenvolvido também aconselharão a que se mantenham os manuais que vão utilizando.
Esta manutenção terá ainda um valor de natureza menos tangível, diria afectivo, pois seriam um registo, um diário de bordo da sua aprendizagem e um instrumento de relação com o trabalho escolar.
Como é óbvio este entendimento não belisca a necessidade dor recursos a actividades e materiais diversificados num já referido modelo de diferenciação pedagógica.
Definitivamente, aos 6, 7 ou 8 anos a relação com os manuais é de natureza diferente da que estabelece em fases posteriores da escolaridade obrigatória em que a reutilização é bem mais “tranquila”, por assim dizer.
Finalmente, julgo que precisamos de caminhar, certamente é preciso algum tempo, para a construção de manais que sejam de facto “amigáveis” da reutilização considerando aspectos como material usado, dimensão ou, sobretudo, recorrendo menos à escrita ou outra forma de trabalho realizada no próprio manual.

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