AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 23 de julho de 2019

IDEOLOGIA DE GÉNERO? NÃO, É MESMO UMA QUESTÃO DE DIREITOS


De forma que considero discreta para o significado que contém, foi noticiado que 85 deputados PSD e do CDS requereram ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva das normas que enquadram a educação para a identidade e expressão de género no ensino público e privado.
Ao abrigo de algo indefinido e abrigo para preconceito e intolerância a que chamam “ideologia de género” contestam que se defina que o Estado possa “garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas”.
Como me parece claro, os senhores deputados não conhecem o mundo real que existe para lá do ecrã que interpõem entre os seus valores, preconceitos e crenças e a realidade e o sofrimento de muita gente.
A este propósito, chamava a atenção dos senhores deputados subscritores da enormidade de defender a diversidade e proteger direitos, para uma matéria em que certamente nunca ouviram falar, o bullying homofóbico em contexto escolar.
Um trabalho recente do CIS-IUL - Centro de Investigação e de Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa mostrou que as vítimas de bullying  relacionado com a orientação sexual, real ou percebida, têm menos hipóteses de ter ajuda por parte dos colegas que outras vítimas de bullying. Estando presente a questão óbvia do preconceito os colegas receiam efeitos de contágio, ou seja, serem também considerados homossexuais. A questão da ajuda é importante pois a generalidade dos estudos aponta para que em mais de 80% das situações de bullying existam assistentes que podem ter um papel importante na contenção das agressões. Aliás, é hoje aceite que uma parte significativa da intervenção e prevenção do bullying deve envolver os assistentes.
Um trabalho divulgado em 2018 pela Associação ILGA Portugal — Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo divulgou o “Estudo Nacional Sobre o Ambiente Escolar — Jovens LGBTI+ 2016/2017” realizado pelo ISCTE e pela U. do Porto envolvendo perto de 700 jovens com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos também evidenciou dados pertinentes.
Mais de 62% dos inquiridos reporta comentários negativos feitos de pessoal docente e não docente de natureza ocasional e 28.5% refere regularidade nesses comentários.
Os comentários negativos são sobretudo produzidos por colegas, 75.1%.
Sendo a maioria das agressões de natureza verbal também se relatam agressões físicas, 7.7%.
De registar ainda que 73,6% refere ter sentido alguma forma de exclusão intencional por parte dos colegas e quase 65% foi alvo de rumores ou mentiras sobre si na escola.
É ainda relevante que apenas um em cada dez inquiridos denunciou regularmente a situação de vitimização e constata-se que em escolas onde se desenvolve trabalho sobre estas questões a situação é mais positiva.
Todos estes dados estão em linha com a realidade, são frequentes os discursos ou comportamentos discriminatórios face à orientação sexual ou identidade de género em contexto escolar.
Em 2017 a Agência para os Direitos Fundamentais da União Europeia referia que 94% dos jovens LGBT ouvem ou testemunham comentários e comportamentos negativos em contexto escolar em Portugal". Já se referia também que a apresentação de queixa por parte das vítimas é rara.
Com demasiada frequência os problemas das minorias são eles próprios percebidos como problemas minoritários, menores ou mesmo como não problemas.
Em 2014 foi divulgado um estudo referindo as dificuldades das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em lidar com crianças e jovens com orientações sexuais diferentes, um problema que raramente é abordado mas que é fonte de sofrimento para muitas crianças, adolescentes famílias.
Um Relatório da Rede Ex-Aequo referia que no ano de 2012 se registaram 37 denúncias de homofobia e transfobia, sendo que 42 % da juventude lésbica, gay ou homossexual afirmou ter sido vítima de bullying homofóbico, 67% dos jovens declarou tê-lo presenciado e 85% afirmou já ter ouvido comentários homofóbicos na escola que frequenta. Em muitas situações desta natureza emergem quadros “baixa auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de suicídio”, contribuindo ainda para o insucesso e para o abandono escolar de muitos jovens. O mesmo relatório referia ainda episódios recorrentes de bullying homofóbico em contextos de praxes académicas, situação que já aqui também comentei.
Recordo que em Novembro de 2011, dados da UNESCO referiam que cerca de 70 % de alunos homossexuais afirma ser vítima de bullying.
De facto, parece evidente o risco de sofrimento por parte destes adolescentes e jovens.
Sabemos também que tanto como intervir na remediação e apoio é fundamental entender que o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino".
Esperamos que face à dimensão dos incidentes de bullying dirigidos a um alvo em particular bem como outros comportamentos da mesma natureza, sejam uma preocupação não ideológica mas de direitos e de natureza civilizacional no contexto das políticas e processos educativos.
Senhores deputados, face a este cenário ainda vos é difícil perceber a importância da “adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas”?
O problema não está na “ideologia de género”, seja lá isso o que for, está na cegueira ideológica que não deixa entender a realidade e as pessoas, sobretudo as pessoas que sofrem.

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