AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 24 de junho de 2019

QUANDO OS SANTOS ERAM POPULARES


Há muitos anos, no tempo em que eu era miúdo e este subúrbio era ainda feito de poucas casas e algumas quintas, não havia a ponte com o nome cujo significado era um sonho longe naquela altura, a época dos santos era esperada com alguma excitação por nós, os mais pequenos, mas não só.
Aqui na zona, Almada, o santo que nos pertence é o S. João, daí estas notas, mas todos nos serviam, o S. António em Lisboa e o S. Pedro no Seixal também eram populares pretextos.
Os adultos organizavam umas festas nas ruas com bailarico e as incontornáveis sardinhas e bifanas com rega, é claro, que os organizadores vendiam para financiar uma excursão ao estrangeiro, a Badajoz quase sempre, que naquele tempo o “nosso” estrangeiro era perto e o dinheiro sempre curto.
Mas para nós, para além de uns desaparecidos "pirolitos" em garrafas que tinham um berlinde de vidro, os santos eram sobretudo as fogueiras, isso sim, as fogueiras.
Uns dias antes de cada santo, por assim dizer, e por zonas começávamos a juntar lenha. Para tal, fazíamos umas visitas às quintas da terra, ainda havia muitas que agora têm prédios plantados e, sobretudo, organizávamos umas expedições às obras em curso e "recolhíamos" toda a madeira que conseguíssemos e que acumulávamos procurando tê-la sempre debaixo de olho, porque a carne do pessoal das outras zonas era fraca e poderia não resistir à tentação de "levar" a nossa lenha.
Nos dias da celebração a fogueira durava enquanto houvesse lenha e vontade de saltar por cima dela. Tratava-se então de saber quem era mais corajoso e enfrentava as chamas mais altas. À custa destas exibições sempre conseguíamos umas vistosas aterragens falhadas do outro lado ou uma roupa chamuscada. 
Ainda brincávamos na rua e nestas noites era até tarde.
Havia sempre o espectáculo extra de alguns dos adultos já com algum lastro alcoólico, digamos assim, tentarem mostrar dotes de saltadores que muitas vezes também não acabavam bem.
Quase sempre e como número extra, tínhamos direito a uma cena de lambada, sem grandes consequências porque festa é festa, na qual quase sempre estava envolvida uma figura mítica da minha terra, o meu saudoso amigo Pedro, mais conhecido pelo Sucata. Era homem que andava por um enorme metro e sessenta, mas era a pessoa mais amiga de arranjar uma confusãozinha de onde saía, invariavelmente, com mais umas lambadas e, é verdade, mais uns amigos que lhe pagavam um copito. Tenho saudades do velho Sucata.
Os santos na minha terra já não são tão populares, limitam-se a oferecer feriados e algumas iniciativas, muitas delas, por assim dizer, são de “plástico”.

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