AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

sábado, 27 de abril de 2019

AS ESCOLAS SIMPÁTICAS


A notícia não traz nada de novo, é reconhecido que vários estabelecimentos de ensino, designadamente no ensino privado, têm práticas avaliativas altamente generosas e simpáticas. Esta simpatia e generosidade é particularmente sentida durante o ensino simpático, as notas internas dos alunos são hipervalorizadas dando um forte contributo para a subida da média final do ensino secundário que continua a ser o critério quase exclusivo no acesso ao ensino superior.
Tendo sido inicialmente divulgadas no blogue ComRegras do Alexandre Henriques várias pautas do 10º ano do Colégio Ribadouro (sempre bem posicionado nos rankings claro) relativas a Educação Física mostram que nenhum aluno do 10º teve nota inferior a 18 no 2º período. Mais precisamente, de 248 alunos do 10º, 128 (52%) tiveram 20 valores, 108 alunos (44%) tiveram 19 e apenas 12 desajeitados alunos tiveram 18. Notável o desempenho dos alunos em Educação Física, tão notável quanto o desempenho da escola em rigor, seriedade, ética e manhosice.
Os negócios da educação têm destas coisas. E têm destas coisas porque apesar da alteração que se verificará no ensino profissional o acesso ao ensino superior continua a depender quase que exclusivamente da média final do secundário. Como, do meu ponto de vista bem, a nota de educação Física voltou a contar para o cálculo, o resultado está à vista.
Como disse a situação não é nova, o que é novo, é esta despudorada vergonha com as notas de Educação Física. No final de 2018 foi divulgado um relatório da Inspecção-Geral de Educação e Ciência que analisou algumas escolas em que se tem verificado uma discrepância significativa entre os resultados dos alunos na avaliação externa, os exames, e a avaliação interna na qual a generosidade e simpatia dessas escolas inflacionam a classificação dos alunos. Salientava-se a forma como é “revista em alta” a classificação dos alunos, recorrendo à sobrevalorização de dimensões menos sujeitas a “medida” e, por outro lado, mostrou como são imprescindíveis os dispositivos de regulação.
Também o Relatório Anual do Conselho Nacional da Educação, “Estado da Educação 2016”, voltava a referir a “simpatia” e “generosidade” de algumas escolas que inflacionam as notas dos seus alunos. Dentro do padrão habitual, a maioria das situações ocorre em estabelecimentos privados o que o relatório da Inspecção veio a confirmar.
É público que em muitas zonas as escolhas de escola por parte das famílias, sobretudo privadas mas também públicas, se decidem também em função deste conhecimento.
Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc.
É também por razões desta natureza que, afirmo-o de há muito, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados. Esta questão associa-se aos rankings escolares e aos dividendos que daí podem advir. Devo dizer que me incomoda verificar que na generalidade dos suplementos dedicados pela imprensa aos rankings escolares, os resultados são mostrados misturados com publicidade a alguns estabelecimentos privados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas "especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente alimenta este nicho de mercado sem que, os estudos mostram-no as notas de acesso dos alunos do ensino secundário privado não sustenta carreiras escolares no ensino superior no mesmo patamar.
Não está em causa a existência de exames finais no ensino secundário. O que me parece ajustado é que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias.
Enquanto não se verificar a separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.

PS - Tenho alguma curiosidade sobre o que pensarão sobre estes expedientes os alunos, os pais e os professores destas escolas. Dos responsáveis institucionais adivinho o que dirão, se disserem alguma coisa, "nada lhes pesa na consciência". Como sempre.

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