No Público do hoje encontra-se uma
peça com o Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses que refere que estes
profissionais são um recurso ainda insuficientemente utilizado em Portugal e em
diferentes áreas da vida das comunidades. Porque me parece ajustada a avaliação
permitam-me que retome algumas notas sobre a minha área de intervenção no
universo da psicologia, a educação.
Nos últimos anos tem emergido uma
mais nítida afirmação da importância da colaboração dos psicólogos nas
comunidades educativas e do enquadramento por parte do ME da sua intervenção.
Neste contexto, em Dezembro foi
divulgado pela DGE um documento relevante, “Orientações para o Trabalho em
Psicologia Educativa nas Escolas”.
Como na altura escrevi e citando
o documento, “Estas Orientações
construídas num diálogo intenso e construtivo com a Ordem dos Psicólogos
Portugueses visam apoiar os psicólogos nas suas actividades, sobretudo tendo em
conta a produção de nova legislação sobre inclusão e currículo e o
desenvolvimento de várias medidas de apoio ao desenvolvimento de um sentimento
de pertença em cada aluno: apoio tutorial específico, programas integrados
municipais sinalização precoce de dificuldades, reforço da educação estética e
artística, entre tantas outras medidas que visam a geração de um sentimento de
bem-estar junto dos alunos”.
Ainda segundo as orientações, as
Finalidades situam-se no âmbito da Educação,
Saúde e bem-estar, Emprego e Equidade Social.
Como também disse senti alguma
perplexidade sobretudo porque o documento foi produzido em colaboração com a
Ordem dos Psicólogos, a designação Psicologia Educativa. A OPP tem como
especialidade reconhecida neste âmbito “Psicologia da Educação” e entre as
especialidades avançadas também reconhecidas pela OPP não consta Psicologia
Educativa. Aliás, em termos nacionais e internacionais a designação Psicologia
da Educação ou Psicologia Educacional são as mais consensualmente aceites. Não
percebo a opção embora tenha algumas ideias que não cabem nesta reflexão.
Continuo a entender que se trata
um trabalho útil como contributo regulador do trabalho dos psicólogos e das
expectativas existentes na comunidade e que muitas vezes são desajustadas. O
documento também se enquadra no Referencial Técnico para os Psicólogos
Escolares (outra vez uma problema de designação de que a DGE não se livra) e
enquanto regulador contribui para minimizar a “balcanização” das práticas em
que cada técnico reproduz a sua visão o os modelos que formaram que sendo
diferente, o que só por si não constitui um problema, também dificulta a
construção de uma “cultura” de pertença e desempenho profissional nos
psicólogos que integram o sistema educativo.
No entanto, o grande problema e é
o cerne da entrevista de hoje com o Bastonário é que definir Orientações para
as actividades dos psicólogos nas escolas pressupõe que … existam psicólogos. Como é óbvio
existem mas o seu efectivo está longe de corresponder às necessidades.
De facto, a presença dos
psicólogos em contextos educativos tem vivido entre as declarações dos vários
actores, incluindo a tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e precariedade no sentido da sua concretização.
Recordo que no V Seminário de
Psicologia e Orientação em Contexto Escolar o Secretário de Estado da Educação,
João Costa, reafirmou a “indispensabilidade de ter psicólogos nas escolas"
sublinhando o seu contributo essencial para o sucesso académico e bem-estar dos
alunos. Também durante 2018 e no documento orientador se reafirma a sua importância.
É de facto recorrente a afirmação
por parte do ME da prioridade em promover o alargamento do número de técnicos e
a estabilidade da sua presença nas comunidades educativas. Não é um discurso
novo, é apenas algo que tarda em concretizar-se e insisto em notas já por aqui escritas
e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, tenho formação em psicologia da
educação.
O ME tem definido o objectivo de
atingir um rácio nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo
para cada 1100 alunos.
De acordo com dados da Ordem dos
Psicólogos Portugueses que presumo estarem ainda actuais, o sistema educativo
público terá em falta cerca 500 psicólogos. Acresce que a maioria destes
técnicos é contratada anualmente e, frequentemente, com atrasos no início de
cada ano com consequências negativas.
Também segundo dados da OPP, no
ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará
que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Conheço situações em que existe
um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo
com mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa
espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de
resposta que não serve adequadamente os destinatários como também, evidentemente,
compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas
onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a
prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a
duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado
científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o
técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado.
No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
O quadro orientador da
intervenção dos psicólogos nos contextos escolares definido pelo ME, sendo um
documento positivo é evidentemente incoerente com a falta de recursos, é
inaplicável em muitas situações face ao alargado espectro de funções e
actividades previstas.
Não quero, nem devo, discutir
aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da
intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho
referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma
sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional
desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou
problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas
múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com
professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de
“outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é
ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais
envolvidos.
Como é que se pode esperar que alguém
de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e
processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho
consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da
escola?
Das duas uma, ou se entende que
os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da
psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades
de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas
providenciando contributos específicos para os processos educativos e,
portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente
necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os
psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são
necessários.
Este último entendimento
contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países
aconselham e o discurso que o ME subscreve. Aliás, Cor Meijer, director da
Agência Europeia para a Educação Inclusiva e Necessidades Especiais, afirmou no
encontro que referi, “Os psicólogos escolares são essenciais para a educação
inclusiva".
A situação existente parece-me,
no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e
ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos
possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar
uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os
conteúdos, regulação e modelos de intervenção são de outro espaço e
oportunidade.
Estando já perto do final da
carreira profissional ainda aguardo que a importância e prioridade sempre
atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos se concretizem de
forma suficiente e estável.
E quando os psicólogos que existem são da área clínica !!! E quando em concursos as escolas solicitam como área específica a Clínica!!! Onde está a Educação, o pensar a Educação?
ResponderEliminarE quando os psicologos que existem são da àrea clinica!!!E quando em concursos para as escolas solicitam psicólogos da àrea clinica!!! Onde está a educação???
ResponderEliminarPor princípio não gosto de responder a comentários anónimos mas ainda assim a questão que coloca é muito importante mas não decorre tão directamente da acção do ME mas, sobretudo, da regulação, ou falta dela, do exercício da psicologia e das suas especialidades. Recordo que a OPP é uma estrutura recente e ... há de tudo.
ResponderEliminarPartilhamos então a mesma opinião. Grata por merecer a sua atenção.
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