AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

DAS "APP" PARA "CONTROLO PARENTAL" OU EDUCAÇÃO FAMILIAR MAIS COMPETENTE


No DN aparece uma peça que coloca uma questão típica dos tempos que vivemos, a hipervalorização das novas tecnologias. No caso é referida a existência de múltiplas aplicações para ajudar os pais no “controlo parental”. Há algum tempo talvez se dissesse “educação dos filhos” em vez de “controlo parental” que me parece destinado a ficar (quase) vazio de conteúdo.
É divulgado um elenco de ferramentas que podem ser mais menos “invasivas” com diferentes preços e mensalidades, com diferentes níveis de personalização e com funcionalidades como capacidade para fazer ‘tracking’ de GPS para saber da movimentação dos filhos ou a capacidade para bloquear como sites de pornografia por exemplo. É também possível ter parâmetros para monitorização de tempo passado em jogos e redes sociais ou a utilizar o telefone ou tablet.
Como também seria previsível já existem sites e informação disponíveis na net que …  permitem “enganar” este tipo de aplicações do “controlo parental”.
Como ainda ontem escrevi a propósito do uso de computadores na sala de aula parece-me importante afirmar que todas as ferramentas podem ser úteis mas … não passam de ferramentas, não são uma “poção mágica” nem podemos correr o risco dos pais delegarem nas apps uma função que só eles podem exercer, a educação dos seus filhos.
Não esqueço que nos estilos de vida actuais,  desde logo por questões de logística e funcionalidade mas também por mudanças nos valores, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que até o ME se lembrou de chamar de forma infeliz “Escola a tempo inteiro” a que acresce para muitas crianças e adolescentes um conjunto de actividades fantásticas e os centros de estudo.  
As famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e fragilizados por entenderem que não têm para os filhos a disponibilidade de tempo e atitude que julgam necessária. Esta culpa e fragilidade é, com frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois “temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Também sei que apesar da proliferação de materiais que parecem querer assumir este papel não existem, nem irão existir e ainda bem “manuais de instrução” para a educação familiar.
Neste contexto e considerando as dificuldades não acreditando na educação perfeita da criança perfeita acredito num princípio fundador da educação familiar, a promoção da autonomia e da auto-regulação desde bebé, sim desde bebé, até …  sempre.
Neste sentido e de há muito, sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade como, aliás, aqui reafirmei recentemente.
Um processo educativo terá com eixo estruturante a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função, actividade ou contexto em que se encontra. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia e auto-regulação.
A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os erros, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Tenho também a convicção de que os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes. Mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e o caminho cumpre-se sem grandes problemas. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de inquietação que de ajuda.
Parece-me sobretudo importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem receio de que os julguem maus pais. Importa inda que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, alguns, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Paradoxalmente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.”
As apps de “controlo parental” para além de se tornarem rapidamente ineficientes face às capacidades tecnológicas e motivações dos mais novos podem ser uma tentação e até ter alguma utilidade mas não são uma solução.

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