Sem surpresa, os resultados da 2ª
fase do exame de Matemática do 9º ano alimentam a preocupação que merece o desempenhe
a Matemática por boa parte dos nossos alunos apesar de alguns indicadores positivos
e da evolução nos estudos comparativos como PISA.
Na 2ª fase, 63% dos alunos
reprovou nesta disciplina. Na 1ª fase cerca de 52% dos alunos teve média
negativa, a média foi de 47 uma das mais baixas dos últimos anos. De notar que
28,5% dos alunos obteve uma classificação inferior a 25 pontos e 2346 zero
pontos, sendo que realizaram o exame 94524 alunos.
É claro que as razões para este
cenário são múltiplas, não serão novas e a eventual dificuldade dos exames também
não explica os resultados.
Recuso-me a considerar que sejam “fado”
ou destino as dificuldades expressas pelos alunos, como também não se trata,
evidentemente, de um problema de falta de “dotes” para a Matemática por parte
dos portugueses ou da incapacidade genérica dos professores de Matemática em melhorar os resultados dos alunos.
A questão começa na educação
pré-escolar, no 1º ciclo, em casa e na comunidade através dos discursos e
representações sobre a matemática. Algumas notas repescadas.
Já este ano foi divulgado pela
Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o estudo “Principais
indicadores de resultados escolares por disciplina - Série temporal 2011/12 –
2015/16 - 3.ºCiclo - Ensino Público”.
Em 2015/2016, 33% dos alunos
concluíram o 9º ano com negativa a Matemática. Ao longo da série temporal considerada,
11/12 a 15/16, esta percentagem subiu e a taxa de recuperação não ultrapassou
os 20%. A Matemática é a disciplina com mais negativas e a com menor taxa de
recuperação. As disciplinas de Inglês, Físico-Química e Português apresentam
também níveis de reprovação significativas mas bem menores que a Matemática.
Os dados estão em linha com o
trabalho divulgado no ano passado “Resultados escolares por disciplina - 3.º
Ciclo - Ensino Público - Ano lectivo 2014/2015” com informação dos 3 anos do
ciclo de que recupero alguns indicadores.
Em termos globais o chumbo
atingia 13.1% dos alunos no ciclo. Por anos o 7º é o que registava maior
retenção, 16.7%, indicador também é verificado nos anos iniciais de cada ciclo.
Embora no 8º e 9º a retenção diminua tal não parece decorrer de trabalho de
recuperação mas do facto de muitos alunos retidos no 7º serem encaminhados para
outros trajectos escolares.
Ao nível dos aspectos mais finos
da retenção é inquietante que 66% dos alunos que chumbam no 7º ano reprovam a seis
ou mais disciplinas sendo a Matemática a que apresenta indicadores mais
pesados. No entanto, se o critério for de cinco disciplinas ou mais a taxa
passa para uns dramáticos 85% que, evidentemente, são altamente condicionantes
de um trabalho de recuperação bem-sucedido.
Um outro dado, também em linha
com o que se verificou no 2º ciclo e sem surpresa, é a fortíssima associação
entre os altos níveis de retenção e a mais disciplinas e as condições
socioeconómicas familiares. De facto, em todas as disciplinas no 7º ano os
alunos que reprovam e estão incluídos no Escalão A da Acção Social escolar
(famílias com menores rendimentos) são o dobro de alunos com negativas mas não
abrangidos pela Acção Social Escolar.
No 2º ciclo, estudo também
divulgado em 2017 e respeitante a 2014/2015, a Matemática era claramente a
disciplina em que os alunos têm menor desempenho. Cerca de 30% dos alunos
tiveram resultado negativo e é também a disciplina em que os alunos sentem mais
dificuldade em recuperar, passar de resultado negativo para resultado positivo.
Registe-se também aqui a relação
entre o desempenho escolar e o contexto socioeconómico familiar, no 5º ano 44%
dos alunos no escalão máximo de acção social escolar tiveram negativa a
Matemática, 28% dos alunos no segundo escalão e 16% não envolvidos em
dispositivos de apoio.
No entanto e relativamente a este
último aspecto, a associação entre variáveis de contexto socioeconómico e os
resultados escolares, a escola pode fazer a diferença e contrariar o destino.
As boas práticas e experiências conhecidas mostram que é possível.
Os resultados a Matemática ao
longo da escolaridade obrigatória estarão associados, não numa relação de
causa-efeito, a múltiplas variáveis, desde logo como já vimos pelas
circunstâncias sociais e demográficas onde não pode deixar de se incluir, o
nível de escolaridade dos pais.
Por outro lado, variáveis como
modelo e conteúdos curriculares, número de alunos por turma, tipologia das
turmas e das escolas, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e
professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica terão também algum
peso e algumas vezes já aqui referimos estas questões.
É neste conjunto de variáveis e na intervenção adequada que julgo residir a chave para alterar e reconstruir a relação dos alunos com a Matemática e melhorar o seu desempenho.
No entanto, acresce a esta complexidade um
conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes mas que a experiência
e a evidência mostram ter também algum impacto.
São variáveis de natureza mais
psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de
ter sucesso, os alunos de meios menos carenciados percebem-se como mais capazes
de aprender matemática.
É também conhecido que os pais
com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas
mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção
educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam
formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de
ajuda externa.
Finalmente uma outra variável
neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje
existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis
de qualificação de que matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os
mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente
que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até
com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É
claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a
Língua Portuguesa e às vezes bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma
tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que
acontecesse.
De facto, este tipo de discursos
não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se
alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a
desmotivar-se.
Aliás, é conhecido que muitos
alunos escolhem trajectos escolares tendo como critério “fugir” da Matemática.
Não fica fácil a tarefa dos
professores mas no limite e como sempre será a escola a fazer a diferença. Não
podemos falhar apesar da dificuldade do caderno de encargos. Não podemos estar condenados a
ter maus resultados a Matemática.
Amigo José, não é a preocupação com o termómetro que poderá fazer baixar (ou elevar) a temperatura...
ResponderEliminarHá mais de quarenta anos, espero (esperamos) que os burocratas deem lugar a quem poderá desenvolver outra política educacional, co-criar uma nova construção social de aprendizagem.
Abraço!
José