No final da semana que passou o Presidente da República promulgou o Regime Jurídico para a Educação Inclusiva. Como muitas vezes afirmei, a
necessidade imperiosa de alteração do quadro legislativo anterior era uma
necessidade imperiosa.
No entanto, a par de algumas
mudanças positivas tenho expressado algumas inquietações, de natureza teórica e
prática, sobre o seu impacto real na resposta à diversidade dos alunos com
qualidade e sustentada em princípios de educação inclusiva.
Insisto que quero muito
que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de
todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais
participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de
qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos
educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de
recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação
do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso
e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem
um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra
os direitos de alunos, famílias e docentes.
O grande risco é que apesar de
uma “nova lei” se mantenha o “velho” quadro que referi acima, escolas,
professores e técnicos a desenvolver trabalhos de qualidade e assentes numa
perspectiva de educação inclusiva e que assim continuarão a tentar fazer, seja
qual for o quadro legal e escolas, professores e técnicos envolvidos em
práticas que, seja qual for o quadro legal, guetizam, excluem, não promovem
direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de
educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos
estão “entregados”, não integrados.
Por estas razões parece-me ainda
indispensável a existência de dispositivos de avaliação e regulação que não se
confundam com as competências da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
Ilustrando estas reservas, em
texto de há algumas semanas mostrei um exemplo sublinhando que não me queria sentir
o Waldorf ou o Statler, os velhos dos Marretas que estão sempre na crítica mas
a verdade é que julgo que só mudar mesmo que num caminho ajustado não significa
… mudar.
. O regime de matrícula e de
frequência no âmbito da escolaridade, Despacho Normativo 6/2018 de 12 de Abril
deste ano, no Artigo 11.º “Prioridades na matrícula ou renovação de matrícula
no ensino básico” refere com segunda prioridade os alunos “Com necessidades
educativas especiais de caráter permanente não abrangidos pelas condições
referidas na prioridade anterior e com currículo específico individual,
conforme definido no artigo 21.º do Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro,
na sua redação atual ou do diploma sobre educação inclusiva que lhe venha a
suceder”.
Desde 2008 que entendo que o
Currículo Específico Individual é uma das maiores ferramentas de exclusão do
DL3/2008, foi muitas vezes utilizado de uma forma desregulada empurrando
crianças e adolescentes para trajectos que de inclusão têm nada. A sua própria
designação sempre me surpreendeu, um “currículo individual” só pode, acho eu,
ser “específico.
Como é que um novo “paradigma”, a
eliminação da categorização, o fim das “necessidades educativas especiais”,
educação inclusiva x.0 vai acomodar, para usar um termo em moda, o CEI, esta
aberração perigosa.
O exemplo é um mau prenúncio e
leva-me a manter alguma reserva apesar de preferir o optimismo e a confiança.
Ainda a propósito desta questão
cito o testemunho de uma mãe de um adolescente com necessidades especiais QUE logo
no início do ano escolar e depois de uma mudança de escola ouve algo como “Este para mim ele é
um CEI” e durante todo o ano o aluno foi … tratado como um “CEI” e remetido
para actividades funcionais de que não precisa. Sim, o testemunho é credível e
eu próprio conheço várias situações de alunos atropelados por esse “rótulo” e
por práticas e discursos incompatíveis com a retórica da inclusão.
Será que vai mudar com um novo
quadro legislativo?
Creio que nos últimos anos, na
generalidade dos nossos territórios educativos, mesmo em cada comunidade,
tivemos, temos e é o meu receio, teremos, crianças excluídas da escola,
excluídas na escola, crianças integradas na escola e também, felizmente, crianças
incluídas na escola e na comunidade. Aqui sim, como digo, o sistema é
verdadeiramente inclusivo.
Por isso as minhas inquietações.
Repito o que acima escrevi. Um melhor quadro normativo é necessário e uma boa
base de trabalho mas mais recursos e apoios de qualidade aos professores de
ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos
para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em
tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido são
aspectos críticos.
Viva!
ResponderEliminarO DL3/2008 não promove a Escola Inclusiva, nunca promoveu. Os CEI, como refere, são um exemplo. A CIF, era o instrumento aberrante. E nunca nada foi posto em causa até os números começarem a disparar em termos de Inclusão efectiva. Começaram a aumentar os números e o governo apercebeu-se e deu uma ajuda para precipitar o abismo, aumentou o número de vagas para professores e o sistema absorveu. Não houve excesso, nada de tempos livres. Então, como estas coisas são sempre estudadas e previstas, muda-se agora para algo que poderá parecer pior para a Inclusão. Mas até nem é ... Curiosamente, do ponto de vista humano, não é. O termo Necessidades Educativas Especiais é horrível e até que enfim que vai embora.
O resto, servir este diploma desconhecido para colocar em horário zero centenas ou milhares de professores de Educação Especial, é a vida, estamos habituados. A maioria, já veio para aqui por isso mesmo. Não que não fosse dedicado e especializado. Ou nem por isso, mas é de facto a vida de professor.
O DL 319 era muito melhor do que o seu sucessor, na articulação com outros mas começou a ser minado por outros e nem me estendo, que andava sossegada pela vida do campo.
É a minha opinião e aguardamos todos o desenvolvimento.