O Conselho de Ministros de ontem
aprovou o “Decreto-Lei que define os princípios de organização do currículo dos
Ensinos Básico e Secundário.” Que entrará em consulta pública.
Segundo o Comunicado do Conselho
neste Decreto-Lei:
“- Adapta-se o currículo ao Perfil dos Alunos à saída da escolaridade
obrigatória, como finalidade dos 12 anos de escolaridade;
- Generaliza-se a Autonomia e Flexibilidade Curricular, conferindo às
escolas a possibilidade de gerir até 25% do tempo disponível, de forma não
impositiva, adequando tempos, espaços e metodologias aos seus projetos
curriculares;
- Eliminam-se instrumentos de dualização precoce, extinguindo-se os
cursos vocacionais do ensino básico;
- Introduz-se no currículo a área de Cidadania e Desenvolvimento;
- Introduz-se flexibilidade no Ensino Secundário, dando aos alunos dos
diferentes cursos e vias a possibilidade de permutar disciplinas;
- Eliminam-se os requisitos discriminatórios no acesso ao Ensino
Superior dos alunos do Ensino Profissional e do Ensino Artístico especializado”.
O texto aprovado, que não ainda
não conheço, contém matérias substantivas que justificam notas separadas que
procurarei ir deixando.
Em primeiro lugar consideremos a “generalização
da Flexibilização Curricular”.
Sublinhando o carácter “não
impositivo” tenho algumas dúvidas relativamente à sustentação da generalização.
Não conheço a avaliação final e na avaliação intercalar e em “cerimónia pública”
com a colaboração da OCDE para além de se salientarem aspectos positivos foram
levantadas algumas questões que aliás têm sido referenciadas com frequência por
professores e directores. Nos contactos regulares com escolas, como sempre,
emergem práticas e experiências com enorme latitude de apreciação. É, aliás, muito provável, que as boas experi~encias decorram em escolas que sem um "projecto inovador" já desenvolviam trabalhos de qualidade.
Quero reafirmar que o Projecto
contém aspectos positivos e que como escrevi torço para que resulte. Por outo
lado, também é verdade que em educação os projectos raramente são avaliados de
forma consistente e isenta e já nascem condenados ao sucesso até ao próximo
“projecto inovador”, tentação de todas as equipas ministeriais. Também estava
escrito nas estrelas que este Projecto seria bem-sucedido e que seria
generalizado.
No entanto, insisto em algumas
notas que não são novas mas parecem-me pertinentes num quadro de generalização
desta “Flexibilidade Curricular” ainda que de forma não impositiva o que só por
si justificaria uma reflexão considerando o estado actual da autonomia das
escolas, a vindoura “municipalização” e a inexistência de dispositivos de
regulação robustos
Parece-me ajustado definir
autonomia e diferenciação como eixos centrais do trabalho das escolas no sentido de responder à diversidade de alunos e contextos, única forma de promover sucesso educativo e inclusão. Sublinho que diferenciação é mais do que do que flexibilidade e ainda mais que
flexibilidade curricular, esta é uma das questões que se me coloca desde o início do Projecto pois "flexibilidade curricular" parece-me um entendimento redutor de todo o trabalho em sala de aula. Parece-me também que ao generalizar a “flexibilidade curricular” é
imprescindível questionar: flexibilizar que currículo? Os actuais, normativos
prescritivos, extensos? Como? Esquecendo as metas curriculares? Como outros currículos?
Quais? Com que modelo, conteúdos e organização?
Em primeiro lugar a autonomia das
escolas terá de ser real, não assente numa ideia de “municipalização” e deverá
envolver desde logo a possibilidade de diferenciação na organização e
funcionamento das escolas, nos horários, na constituição das turmas ou grupos
de alunos, na gestão curricular e caminha até à sala de aula ao nível das
práticas pedagógicas. Para tal serão necessários os meios e os recursos bem
como os dispositivos de regulação e de avaliação.
No que diz respeito à
diferenciação no contexto onde tudo se decide, a sala de aula, apesar do
currículo ser uma questão crítica a diferenciação está para além da
“flexibilização curricular” que do meu ponto de vista assenta uma visão
redutora do trabalho em sala de aula.
A característica mais evidente de
qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Esta é questão central, com
grupos diversos e escolas diversas a resposta deve, tem que ser, diferenciada
sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos comprometendo a
qualidade, o sucesso e a inclusão.
Todo o sistema educativo e as
políticas educativas devem servir de suporte a esta visão.
Indo um pouco mais longe nas
práticas pedagógicas e como nestas se traduz um princípio de diferenciação umas
notas breves sublinhando que alterar alguns aspectos não tem a ver com
“inovação”, termo cuja utilização frequente me irrita um bocado.
A questão central pode ser
alterar e não inovar, são de há muito conhecidas boas práticas que diariamente
são mobilizadas em muitas escolas quase sempre com pouca divulgação, até mesmo
interna.
Uma primeira nota sobre o
equívoco habitual de que diferenciação é sinónimo de trabalho individual.
Considerando as dificuldades (e o desajustamento) de fazer assentar o trabalho
educativo no trabalho individual, encontra-se assim um suposto “impedimento” à
diferenciação. De facto, diferenciar não é igual a trabalho individualizado,
pelo contrário, implica muito fortemente a aprendizagem cooperada e a
cooperação entre professores. Aliás, verificando-se desejavelmente a
aprendizagem individual por parte de cada aluno a sua construção é social pelo
que mesmo que fosse possível o recorrer exclusivamente ao trabalho individual,
(o que nem com turmas mais pequenas aconteceria) não seria a melhor forma de
trabalhar.
Assim, só o desenvolvimento de
formas diferenciadas de organizar os processos educativos, de gerir a sala de
aula, de avaliar, de gerir a estrutura curricular ela própria com uma concepção
e conteúdos que sejam amigáveis desta diferenciação, de comunicar, de cooperar
com pais e encarregados de educação, etc., poderá permitir responder tão bem
quanto possível à diversidade dos alunos e contextos.
Nesta perspectiva, a organização
e funcionamento de uma sala de aula da forma mais ajustada a recursos e
necessidades contemplar alguma foram de diferenciação em dimensões como:
Planeamento educativo/gestão curricular (aqui entra a “flexibilidade curricular”
mas com conteúdos e organização dos currículos adequados); Organização do
trabalho dos alunos – as múltiplas formas de organizar o trabalho dos alunos
relativamente às situações de aprendizagem; Clima de aprendizagem – a qualidade
e nível de interacção e relacionamento social entre alunos e entre professor e
alunos; Avaliação – os processos relativos à avaliação e regulação do processo
de ensino e aprendizagem (sem surpresa, uma das dificuldades expressas na
avaliação intermédia); Actividades / Tarefas de aprendizagem – a escolha das
diferentes tarefas ou situações de aprendizagem a propor aos alunos e Materiais
e Recursos – a definição, utilização e gestão dos materiais e recursos que
funcionarão como suporte ao processo de ensino/aprendizagem.
Como nota final sublinhar o que
tantas vezes afirmo, um dos factores individuais mais contributivos para a
qualidade dos processos educativos e dos processos de mudança em educação é a
presença e valorização de um professor empenhado e qualificado.
Julgo que estamos na direcção
certa, importa que sejam dados os passos certos.
Amigo José,
ResponderEliminarFico grato pela partilha de mais uma reflexão. Mas não sou tão otimista quanto tu pareces ser. Mesmo correndo risco de ser redundante, direi que, na década de 1990, integrei uma comissão do Conselho Nacional de Educação encarregada de emitir um parecer sobre uma proposta de reorganização curricular. Na época, despontava a moda das “competências” e da “flexibilização”. Organizamos debates e audiências. Participamos da avaliação do projeto de Gestão Curricular Flexível, que antecedeu a redação da proposta de base curricular. O relatório de avaliação apontava a necessidade de alteração do modelo escolar. O Parecer sobre a proposta de lei por nós elaborada, mais do que elencar propostas de alteração, reiterava a recomendação do relatório de avaliação: para concretizar a base curricular no chão da escola, seria necessário substituir práticas de “ensino tradicional” por práticas coerentes com o discurso teórico do preâmbulo da proposta de lei. As nossas recomendações foram ignoradas. A lei foi aprovada. Visava-se a melhoria da qualidade da educação, mas a educação de Portugal não melhorou. E, no início do ano letivo de 2017/2018, o Ministério da Educação de Portugal, lançou nas escolas mais um projeto de Gestão Flexível do Currículo... Isto é: perdemos vinte anos de oportunidades de mudança.
Nenhuma mudança significativa teve origem num decreto. Aliás, é ridículo decretar flexibilização... E "trabalho em sala de aula" (que referes no teu artigo) é algo incompatível com a ideia de flexibilidade curricular, ou de diferenciação. O ministério e as escolas continuam aprendizes de feiticeiro, mitigando as maleitas do sistema num faz-de-conta de inovação normativa, deixando por cumprir a Constituição, a LBSE e os normativos paridos anteriormente. Lamentável!
Abraço fraterno!
O teu amigo José Pacheco
Olá José Pacheco. Por isso tantas vezes cito o Almada, "Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.”
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