AS MINHAS CONVERSAS POR AÍ

terça-feira, 24 de outubro de 2017

DA ESCOLA-ALFAIATE

Ontem realizou-se na Fundação Gulbenkian a Conferência Internacional de Educação "2017 Inovação: Na Escola e pela Escola".
O Ministro da Educação realizou uma intervenção a que acedo através da imprensa e merece umas notas.
Uma primeira referência à “inovação” e à colagem recorrente da “inovação” às competências digitais, às novas tecnologias.
Como tenho escrito não simpatizo com a recorrente referência à “inovação” na educação e na escola. Confesso que já me cansa tanto “inovar”, tantas referências a "novas formas de ensinar".
 Mudar algo na forma como se faz não é o mesmo que inovar, fazer qualquer coisa de novo. Nestas matérias, talvez de forma simplista mas é intencional, penso como Almada Negreiros quando referia na "Invenção do Dia Claro”, "Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”.
Dito de outra maneira, já conhecemos as palavras da educação, apenas temos que ir ajustando o que fazemos com elas. Peço desculpa, só para dar dois exemplos comuns, não creio que utilizar um tablet na sala de aula seja inovar, é fazer o que de há muito sabe, o trabalho em sala de aula deve reflectir o estado da arte das comunidades em matéria de desenvolvimento científico, ou seja, o tablet é “novo” mas a prática nem tanto. Também não creio que um trabalho que articule conteúdos curriculares de diferentes disciplinas seja “inovador” embora se possa dizer que não é tão frequente como se desejaria ou que as múltiplas variáveis que envolvem os processos de ensino e aprendizagem não facilitam.
Segunda nota, o Ministro sublinhou a importância incontornável do professor, “Todos os dispositivos sofisticados e wifi do mundo não vão fazer diferença se não tivermos grandes professores nas salas de aula”. Estamos de acordo mas para assim seja não basta a retórica, os professores, as escolas precisam de condições, politicas e recursos que potenciem o trabalho do professor, que o desburocratizem, valorizem e estabilizem, só para referir alguns aspectos.
A terceira referência para a necessidade de uma Escola-Alfaiate “"Chega agora o momento de encontrarmos a resposta que melhor nos convenha para, de uma forma longa no tempo, assegurarmos a Escola-Alfaiate que o mundo contemporâneo já há algum tempo nos vem exigido. Uma Escola à medida de todos, de cada um, da nossa rua, como do nosso mundo".
Muito bem Senhor Ministro, uma escola à medida de cada aluno. Será mesmo isso que quis dizer?
Uma pequena dúvida, como se constrói uma escola à medida de cada aluno? Pode experimentar começando por um dos mega-agrupamentos com mais de 3000 alunos.
Peço desculpa Senhor Ministro mas o caminho não passa por uma “escola à medida de cada um” passa por uma escola onde caibam todos e onde todos encontrem resposta para a sua diversidade. Não é a mesma coisa, certo?
E uma escola onde caibam todos não passa apenas pela afirmação do desejo de que assim seja. Vejamos.
É evidentemente um processo complexo mas passa por identificar e prevenir dificuldades de forma precoce.
Passa pela definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores.
Passa pela definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo.
Passa pela valorização do trabalho dos professores.
Passa pela promoção de práticas com melhores níveis de diferenciação e expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos.
Passa por mais trabalho e dispositivos de apoio a intervenção de natureza colaborativa ou tutorial, quer para professores quer para alunos.
Passa racionalizar a rede, em termos de escola ou turma, depois do movimento da excessiva concentração de alunos, etc.
Passa por dispositivos de regulação que apoiem professores, direcções e escolas no desenvolvimento dos projectos educativos das suas comunidades.
Passa por …
Isto não produzirá certamente uma “Escola-Alfaiate”, essa escola já existe de certa forma tantos são os cortes, remendos e costuras que tem sofrido embora reconheça, é justo dizê-lo, que algumas mudanças tem vindo a acontecer num sentido mais positivo.
Talvez contribua para o desenvolvimento de instituições educativas que através da acção diária dos professores possam fazer a diferença e acomodar a diversidade nos alunos, todos os alunos.

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