Ao que parece, até final de 2018
será cumprido o objectivo anunciado pelo ME em 2015 de ao abrigo do Programa Operacional Capital Humano serem integrados 200 psicólogos nas escolas, 108
psicólogos na região Norte, 52 em escolas da região Centro e 40 para o
Alentejo. Do resto do país não temos notícia.
Pretende-se atingir um rácio
nas escolas que passe dos actuais 1/1700 para um psicólogo para cada 1100
alunos.
De acordo com dados da Ordem dos
Psicólogos Portugueses o sistema educativo público terá em falta cerca 500
psicólogos. Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785
alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino
privado suportem recursos humanos desnecessários.
Com alguma frequência oiço discursos
da tutela referindo que apesar da insuficiência todas as escolas têm psicólogo.
Como já tenho escrito, admito com alguma dúvida que todas as escolas tenham
algum técnico de psicologia que por lá passe mas não, não têm psicólogo.
Conheço situações em que existe
um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo
de mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa
espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de
resposta que não serve adequadamente os destinatários como, evidentemente,
compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas
onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a
prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a
duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado
científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o
técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado.
No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Acresce que uma parte
significativa dos psicólogos existentes tem sido contratada anualmente, sempre
com atraso, tal como neste ano lectivo, o que implica óbvias consequências em
termos de instabilidade, suficiência e qualidade. O anunciado alargamento não
informa se a contratação a realizar terá carácter definitivo ou com horizonte
temporal definido.
Nos últimos tempos e como já
referi, o ME tem permitido que as escolas contratem prestação de serviços
educativos a realizar aos seus alunos, a empresas, naturalmente, exteriores à
escola que, aliás, têm florescido. Estes serviços envolvem o trabalho de
psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham
funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
Recordo que os textos que
regulamentam estas contratações se define um quadro de objectivos como, cito,
“mudanças comportamentais dos alunos”, “melhoria de atitudes face às tarefas
escolares”, pretendendo-se o “sucesso educativo”. É delirante.
Não quero, nem devo, discutir
aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da
intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho
referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma sobrevalorização
da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional desequilibrando
a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou problemas nas
aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas
variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais,
só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de
“outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é
ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.
Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que
alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos
e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho
consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da
escola?
Das duas uma, ou se entende que
os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da
psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades
de alunos, professores e pais, em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas
providenciando contributos específicos para os processos educativos e,
portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária
ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não
servem para coisa nenhuma, só atrapalham e, portanto, não são necessários. Este
entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de
outros países aconselha mas como é hábito os exemplos de fora só são citados
conforme os interesses.
A situação existente parece-me,
no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e
ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos
possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar
uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os
conteúdos, regulação e modelos de intervenção deste trabalho são de outro
espaço e oportunidade.
Caro José Morgado
ResponderEliminarSou psicólogo do Serviço de Psicologia e Orientação desde o início, ou seja, à 25 anos e trabalho agora num agrupamento de escolas na Grande Lisboa que tem uma população com cerca de 2300 alunos e engloba uma escola de 3º ciclo e secundária, uma escola de de 1º e 2º ciclos , três escolas de 1º ciclo e dois jardins de infância.
Com sabe, durante anos os psicólogos do SPO recorreram a um referencial de competências e atribuições no dec. lei 190/91 para orientarem a sua prática e salvaguardarem a sua autonomia técnica e científica e intervieram em três domínios principais; apoio psicopedagógico a alunos e professores ,apoio ao desenvolvimento das relações entre os vários intervenientes do processo educativo e a orientação escolar e vocacional no 3º ciclo e secundário.
As transformações operadas na sociedade ao nível politico e económico repercutidas nas escolas principalmente na última década foram-se fazendo sentir no trabalho dos psicólogos condicionando as expectativas das direções dos estabelecimentos escolares relativamente a estes profissionais e dificultando progressivamente as intervenções mais no campo da psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento; no caso concreto, da minha experiência, a partir da publicação do dec.lei 3 /2008, mudando os critérios pedagógicos da legislação anterior na consideração do regime educativo especial( dec. lei 319/97 )para critérios essencialmente clinicos, levou a que se voltasse a esperar e a sobrevalorizar da psicologia escolar o atestar das dificuldades individuais, com prazos legislados de resposta ( "prioridades de serviço" )em inumeras referenciações durante todo o ano .
Com o desinvestimento progressivo e gradual em termos de recursos técnicos e humanos no Serviço de Psicologia e Orientação e o aparecimento de novos psicólogos nas escolas em situações diversas e precárias para darem respostas essencialmente casuísticas ou desenquadradas , torna-se cada vez mais difícil aos psicólogos no sistema educativo desenvolverem actividades que rompam com o espectável e acrescentem uma mais valia em termos educativos e de construção de cidadania. O trabalho do psicólogo numa escola é uma espécie de lençol que se puxa de um lado das necessidades mas destapa do outro, em que se espera mais resultados quantificáveis de nº alunos atendidos/apoiados à imagem do que é obtido no restante trabalho escolar com os alunos,e menos resultados processuais. Da minha experiência profissional concreta , vai ficando claro também que ganha campo nas escolas a ideia que a orientação escolar e profissional dispensa os psicólogos, o que me parece também muito redutor. Portanto, neste momento difícil exige-se muita resiliência e persistência aos profissionais, para continuar a contribuir com os seus conhecimentos técnico, pedagógico e científicos no âmbito do sistema educativo português.
Aproveito para lhe agradecer a sua atenção aos assuntos da educação , da psicologia, da cidadania entre muitos outros que vai mantendo através deste seu blog, com opiniões alicerçadas em informações documentação actual.
Despeço-me com os melhores cumprimentos
João Xavier
Olá João, obrigado pelo comentário. A situação é como descreve, lamentavelmente. Continuamos a ter que nos fazer ouvir. Entretanto o referencial actual para a nossa intervenção em contextos educativos parece-me interessante e positivo mas na prática e com os recursos que temos não passa de "wishful thinking" com o efeito perverso das escolas "tendo" psis. não benficiarem do nosso trabalho e isso poder reverter contra nós, estamos mas não respondemos.
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